quarta-feira, 25 de março de 2015

Belo Monte: mega-propina, mega-riscos e mega-custos. E o BNDES?


O relatório “Mega-projeto, Mega-riscos”, publicado em 2010, alertou que Belo Monte seria uma mega-obra com mega-riscos para a sociedade. Esse relatório nunca foi tão atual.
 Hoje (25) as notícias veiculadas pela mídia nos dão conta de que o diretor-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, denunciará o pagamento de mais de R$ 100 milhões em propina pagos para fazer Belo Monte. A análise dos custos feitos no relatório é um claro indício que só poderia haver falcatrua já que o projeto não se sustenta economicamente. Não dá para pagar tudo isso de propina se não houver sobrepreço. 
Por que, então, o BNDES ignorou a avaliação dos riscos, também apontados no relatório, que assombram o empreendimento, desde que ele foi planejado? As recentes denúncias de propina em Belo Monte, já desencadeadas durante a operação Lava Jato, talvez nos tragam as respostas.

Telma Monteiro

O Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está financiando 80% do custo de Belo Monte que, oficialmente, está em R$ 25,9 bilhões. Contrariando regras básicas de economia, o Conselho Monetário Nacional (CMN) tomou a decisão, em abril de 2010, de repassar mais recursos ao BNDES, sacados do Tesouro Nacional, para financiar hidrelétricas, especificamente Belo Monte.

O custo de Belo Monte ainda gera polêmicas, podendo ultrapassar R$ 30 bilhões, já em 2015. Há quem diga que chegará aos R$ 40 bilhões até 2019.

O BNDES tem critérios que estabelecem em 25% do patrimônio de referência do banco o limite para empréstimos a um único grupo econômico – obedecendo a essa regra, seria de R$ 14,5 bilhões o valor máximo que ele poderia financiar ao consórcio vencedor do leilão de Belo Monte - é o maior financiamento na história do banco, superando o de Jirau, no rio Madeira, de R$11 bilhões.

O BNDES, no entanto, para surpresa de todos, aprovou o empréstimo para a construção de Belo Monte com um adiantamento de R$ 1,08 bilhão, antes mesmo do Ibama decidir se concedia a Licença de Instalação, indispensável para dar início às obras.  E quanto aos riscos, perguntaria o leitor. Há um modelo de classificação de risco no BNDES, hoje questionado por economistas, que foi desenvolvido ao longo de 1993, pelo Departamento de Crédito e que continua em uso.  

Por que, então, o BNDES ignorou a avaliação dos riscos que assombram o empreendimento, desde que ele foi planejado? As recentes denúncias de propina em Belo Monte, já desencadeadas durante a operação Lava Jato, talvez nos tragam as respostas.

Os fundos de pensão também ignoraram os riscos e detêm 25% da Sociedade de Propósito Específico (SPE) Norte Energia e, além das suas políticas de responsabilidade social e ambiental, ainda são signatários dos Princípios para o Investimento Responsável da ONU (UN-PRI). Alguns conselheiros dos fundos de pensão votaram contra a participação em Belo Monte. O governo federal forçou a participação dos fundos. No caso da Previ, por exemplo, o conselheiro Paulo Assunção argumentou que o empreendimento teria baixa rentabilidade; a Petros, fundo de pensão da Petrobras, investiu R$ 650 milhões, mesmo sem a aprovação de sua Diretoria Executiva e do Conselho Deliberativo; a Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF), também é acionista em Belo Monte.

Tanto a Funcef como a Petros têm participação de 10% cada uma na Norte Energia. Fato curioso é que a Funcef contabilizou um valor negativo de R$ 51 milhões em Belo Monte, em 2013, enquanto a Petros contabilizou, com os mesmos 10%, R$ 824 milhões. A Petros usou uma manobra contábil para “engordar” o resultado com base num valor fictício futuro, enquanto a Funcef registrou a operação usando o valor de liquidação, ou seja, se fosse vender hoje, a sua participação em Belo Monte valeria menos R$ 51 milhões. O escândalo da Petrobras pode ter uma ligação com Belo Monte por meio da Petros?  Essa é mais uma questão para a Mega Lava Jato.


Os riscos financeiros, inerentes a qualquer projeto, devem ser estimados para minimizar a possibilidade de que erros de cálculo resultem em irreparáveis perdas para a sociedade. O relatório "Mega-projeto, Mega-riscos" mostrou os cuidados que devem cercar projetos que envolvem dinheiro público garantido pela emissão de títulos do Tesouro Nacional, além de vultosos investimentos dos fundos de pensão.

A análise que foi feita no relatório “Mega-projeto, Mega-riscos” teve como referência um extenso material sobre riscos financeiros. Os autores[1] adotaram uma metodologia semelhante à das agências de rating, que permite enxergar em que medida os riscos de um empreendimento como a hidrelétrica Belo Monte recaem na parte mais vulnerável: as populações tradicionais locais, povos indígenas e meio ambiente.   

Os principais fatores de risco financeiro identificados incluem aqueles associados às incertezas sobre os custos e quantitativos do empreendimento  -  fatores geológicos e topológicos, de engenharia e de instabilidade, em valores de mercado;  incógnita em estabelecer a real  capacidade de geração de energia, devido à  sazonalidade do rio Xingu (que se agravará com as mudanças climáticas) e à baixa retenção esperada dos reservatórios; a incapacidade do empreendedor, já apontada pelo ministério público, de atender aos programas de mitigação e de compensação exigidos no processo de licenciamento pelo Ibama.

Riscos financeiros acabam em riscos legais, que acabam em prejuízos para a sociedade. No caso de Belo Monte, esses riscos estão relacionados ao descumprimento de preceitos legais sobre o meio ambiente e à violação de direitos humanos.


[1] Brent Millikan – International Rivers, Roland Widmer – Eco-Finanças - Amigos da Terra, Amazônia Brasileira, Telma Monteiro, socioambientalista e pesquisadora e Zachary Hurwitz – International Rivers 

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