O relatório “Mega-projeto, Mega-riscos”, publicado em 2010, alertou que Belo Monte seria uma mega-obra com mega-riscos para a sociedade. Esse relatório nunca foi tão atual.
Hoje (25) as notícias veiculadas pela mídia nos dão conta de que o diretor-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, denunciará o pagamento de mais de R$ 100 milhões em propina pagos para fazer Belo Monte. A análise dos custos feitos no relatório é um claro indício que só poderia haver falcatrua já que o projeto não se sustenta economicamente. Não dá para pagar tudo isso de propina se não houver sobrepreço.
Por que, então, o BNDES ignorou a avaliação dos riscos, também apontados no relatório, que assombram o empreendimento, desde que ele foi planejado? As recentes denúncias de propina em Belo Monte, já desencadeadas durante a operação Lava Jato, talvez nos tragam as respostas.
Telma
Monteiro
O
Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está financiando
80% do custo de Belo Monte que, oficialmente, está em R$ 25,9 bilhões. Contrariando
regras básicas de economia, o Conselho Monetário Nacional (CMN) tomou a
decisão, em abril de 2010, de repassar mais recursos ao BNDES, sacados do Tesouro
Nacional, para financiar hidrelétricas, especificamente Belo Monte.
O
custo de Belo Monte ainda gera polêmicas, podendo ultrapassar R$ 30 bilhões, já
em 2015. Há quem diga que chegará aos R$ 40 bilhões até 2019.
O
BNDES tem critérios que estabelecem em 25% do patrimônio de referência do banco
o limite para empréstimos a um único grupo econômico – obedecendo a essa regra,
seria de R$ 14,5 bilhões o valor máximo que ele poderia financiar ao consórcio
vencedor do leilão de Belo Monte - é o maior financiamento na história do
banco, superando o de Jirau, no rio Madeira, de R$11 bilhões.
O
BNDES, no entanto, para surpresa de todos, aprovou o empréstimo para a
construção de Belo Monte com um adiantamento de R$ 1,08 bilhão, antes mesmo do
Ibama decidir se concedia a Licença de Instalação, indispensável para dar
início às obras. E quanto aos riscos, perguntaria o leitor. Há um modelo
de classificação de risco no BNDES, hoje questionado por economistas, que foi
desenvolvido ao longo de 1993, pelo Departamento de Crédito e que continua em
uso.
Por
que, então, o BNDES ignorou a avaliação dos riscos que assombram o
empreendimento, desde que ele foi planejado? As recentes denúncias de propina
em Belo Monte, já desencadeadas durante a operação Lava Jato, talvez nos tragam
as respostas.
Os
fundos de pensão também ignoraram os riscos e detêm 25% da Sociedade de
Propósito Específico (SPE) Norte Energia e, além das suas políticas de
responsabilidade social e ambiental, ainda são signatários dos Princípios para
o Investimento Responsável da ONU (UN-PRI). Alguns conselheiros dos fundos de
pensão votaram contra a participação em Belo Monte. O governo federal forçou a
participação dos fundos. No caso da Previ, por exemplo, o conselheiro Paulo
Assunção argumentou que o empreendimento teria baixa rentabilidade; a Petros,
fundo de pensão da Petrobras, investiu R$ 650 milhões, mesmo sem a aprovação de
sua Diretoria Executiva e do Conselho Deliberativo; a Funcef, fundo de pensão
dos funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF), também é acionista em Belo
Monte.
Tanto
a Funcef como a Petros têm participação de 10% cada uma na Norte Energia. Fato
curioso é que a Funcef contabilizou um valor negativo de R$ 51 milhões em Belo Monte, em 2013, enquanto a Petros contabilizou, com os mesmos 10%, R$ 824 milhões.
A Petros usou uma manobra contábil para “engordar” o resultado com base num
valor fictício futuro, enquanto a Funcef registrou a operação usando o valor de
liquidação, ou seja, se fosse vender hoje, a sua participação em Belo Monte valeria
menos R$ 51 milhões. O escândalo da Petrobras pode ter uma ligação com Belo
Monte por meio da Petros? Essa é mais uma
questão para a Mega Lava Jato.
Sobre o relatório “Mega-projeto, Mega-riscos”
Os
riscos financeiros, inerentes a qualquer projeto, devem ser estimados para
minimizar a possibilidade de que erros de cálculo resultem em irreparáveis
perdas para a sociedade. O relatório "Mega-projeto, Mega-riscos" mostrou
os cuidados que devem cercar projetos que envolvem dinheiro público garantido
pela emissão de títulos do Tesouro Nacional, além de vultosos investimentos dos
fundos de pensão.
A
análise que foi feita no relatório “Mega-projeto, Mega-riscos” teve como
referência um extenso material sobre riscos financeiros. Os autores[1] adotaram
uma metodologia semelhante à das agências de rating, que permite enxergar em
que medida os riscos de um empreendimento como a hidrelétrica Belo Monte recaem
na parte mais vulnerável: as populações tradicionais locais, povos indígenas e meio
ambiente.
Os
principais fatores de risco financeiro identificados incluem aqueles associados
às incertezas sobre os custos e quantitativos do empreendimento -
fatores geológicos e topológicos, de engenharia e de instabilidade, em
valores de mercado; incógnita em
estabelecer a real capacidade de geração
de energia, devido à sazonalidade do rio Xingu (que se agravará com as
mudanças climáticas) e à baixa retenção esperada dos reservatórios; a
incapacidade do empreendedor, já apontada pelo ministério público, de atender aos
programas de mitigação e de compensação exigidos no processo de licenciamento
pelo Ibama.
Riscos
financeiros acabam em riscos legais, que acabam em prejuízos para a sociedade. No
caso de Belo Monte, esses riscos estão relacionados ao descumprimento de preceitos
legais sobre o meio ambiente e à violação de direitos humanos.
[1] Brent
Millikan – International Rivers, Roland Widmer – Eco-Finanças - Amigos da
Terra, Amazônia Brasileira, Telma Monteiro, socioambientalista e pesquisadora e
Zachary Hurwitz – International Rivers
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