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O TCU fez uma auditoria no final de 2016 e constatou como a Odebrecht, Camargo Correa, Andrade
Gutierrez e Eletrobras deram um golpe para faturar Belo Monte.
Constatou-se também que
um pequeno grupo de empresas que participaram nas diversas fase dos estudos de
Belo Monte acabaram por esvaziar a concorrência no leilão. Isso permitiu um
ambiente de acordos e associações que prejudicaram a concorrência pública.
Telma Monteiro
Finalmente, em 17 de novembro de
2016 o Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu em relatório de auditoria
um superfaturamento de R$ 3,2 bilhões na construção da hidrelétrica Belo Monte,
no rio Xingu. Demonstrou, também, as irregularidades desde a concepção do
empreendimento. A notícia, postada no site do próprio TCU, aponta sobrepreço no
processo de Belo Monte, constatado num relatório de 121 páginas, ao qual tive
acesso. A Eletrobras, maior acionista, e a Norte Energia, consórcio responsável
por Belo Monte, conseguiram criar muitas dificuldades na tentativa de inibir essa
auditoria, inclusive não disponibilizando os arquivos editáveis para os
auditores do TCU.
Ainda não apareceu na Lava Jato, em delações
premiadas, toda a falcatrua que cercou Belo Monte, como o que está demonstrado no
relatório de auditoria do TCU. Belo Monte pode ser o maior exemplo
da história de uma única obra com sobrepreço e superfaturamento desse vulto, envolvendo
uma ligação sórdida entre as maiores empreiteiras do país e as estatais
Eletrobras e suas subsidiárias.
O TCU começou
a analisar o processo de Belo Monte, pela primeira vez, em 2009. Ainda, em
fevereiro de 2010, o Acórdão nº131/2010-Plenário do
TCU encaminhou determinações e recomendações à Empresa de Pesquisa Energética
(EPE). Foi a partir daí que os custos de construção de Belo Monte sofreram
alterações e ultrapassaram R$ 19 bilhões. Agora, com a auditoria, ficou claro
como isso foi possível.
A auditoria
O relatório do TCU faz uma
análise de todo o processo de Belo Monte desde os primórdios da concepção do
projeto. A auditoria feita pelo TCU sobre o processo da
hidrelétrica Belo Monte concluiu pela materialidade, relevância e riscos da participação do grupo Eletrobras na Sociedade de
Propósito Específico Norte Energia, responsável pela implantação da UHE Belo
Monte. A fiscalização foi necessária, ainda
segundo o relatório, para evidenciar a possibilidade de superavaliação de
investimentos na construção da hidrelétrica.
Foram identificadas, graças às técnicas aplicadas na auditoria, falhas
no leilão de Belo Monte, desvio de finalidade na participação da Eletrobras no
consórcio Norte Energia, vencedor do leilão e responsável pela implantação de
Belo Monte, falta de transparência no contrato de obras civis, sonegação de
informações no curso da auditoria, inconsistências em aditivo de contrato das
obras, e superavaliação e superfaturamento no contrato de obras civis.
Constatou-se também que um pequeno grupo de empresas que participaram
nas diversas fase dos estudos de Belo Monte acabaram por esvaziar a
concorrência no leilão. Isso permitiu um ambiente de acordos e associações que
prejudicaram a concorrência pública.
A Eletrobras se associou às empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto
Odebrecht e Andrade Gutierrez, em 2005, para a complementação dos estudos de
Belo Monte. Nesse ponto se juntaram ao grupo de empreiteiras, empresas
satélites que gravitaram em torno do projeto, para dar andamento aos estudos de
viabilidade. Nesse universo restrito estiveram Engevix Engenharia S.A., Themag
Engenharia e Gerenciamento Ltda, Intertechne Consultores Associados S/C Ltda e
Arcadis Tetraplan S.A., só para citar algumas.
O leilão
Com os estudos de viabilidade
concluídos em 2009 e com o aceite da Aneel, o projeto de Belo Monte foi a
leilão em 20 de abril de 2010. Detentoras das informações e conhecimento aprofundado
dos estudos, as empresas estatais e privadas acabaram por se tornar mais
competitivas e aptas a participarem do leilão. Informação é poder e poder é faturar
mais.
Os riscos e fragilidades
foram observados pelos auditores do TCU, tais como dados desatualizados; leilão
tumultuado; ações judiciais sobre aspectos ambientais; prazos mínimos entre os
diversos eventos, com mudanças de última hora; indefinição dos custos; e mais e
mais indefinições que criaram dúvidas entre os competidores.
Chama atenção fatos que
passaram desapercebidos, na época, e que só foi possível enxergar agora graças
à auditoria do TCU. Os Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) foram
aprovados pela Aneel apenas um mês antes do leilão; os custos dos programas de
desenvolvimento sustentável da região do Xingu, impactada pelo empreendimento, ainda
eram indefinidos; aconteceram alterações de última hora, tanto no projeto como
no financiamento das obras; havia claro descontentamento entre os potenciais
participantes do leilão que mal tiveram acesso aos estudos de viabilidade, o
que praticamente inviabilizava a competição.
Dois consórcios formados
pela Eletrobras e suas subsidiárias acabaram concorrendo ao leilão com
vantagem, pois tinham conhecimento aprofundado e tempo para estudar o projeto
da maior obra do país. Informações privilegiadas garantiam ao poder público,
representado por Eletrobras e Eletronorte, o resultado do leilão a seu favor.
A formação do consórcio construtor
Ficou nítido, após o leilão,
que havia arranjos de interesses das empresas que estavam envolvidas antes
dele. Inicialmente, o consórcio vencedor era formado por 18 empresas entre as quais,
estrategicamente, estavam a Eletrobras e a Eletronorte. Após a assinatura do
Contrato de Concessão, as empreiteiras saíram do consórcio e migraram para o
consórcio construtor. O consórcio construtor foi formado com essas e com
empresas que participaram do outro consórcio perdedor do leilão.
O contrato para construção
de Belo Monte foi, assim, assinado pela Norte Energia e o consórcio construtor.
O valor inicial era de R$ 14 bilhões e o grupo de empreiteiras formado para
executar as obras civis era liderado pela Andrade Gutierrrez (saída do grupo
perdedor do leilão), acompanhada pela Camargo Corrêa e Odebrecht. As três
“irmãs” que haviam elaborado os estudos de viabilidade, além daquelas que já participavam
do grupo inicial vencedor do leilão.
Com isso, as três grandes
empreiteiras estavam com a faca e o queijo na mão: detinham todo o conhecimento
da região onde construiriam Belo Monte, pois foram autoras de todos os estudos
técnicos e dos projetos. Embora fora do empreendimento como investidoras, elas
queriam é que o empreendimento saísse do papel. Afinal, Lula havia dito aos
quatro ventos, antes do leilão, que no “bolo” havia espaço para todos.
Segundo o relatório da
auditoria, a participação de todas as construtoras envolvidas, de uma forma ou
de outra nos estudos de Belo Monte, acabaram por fazer parte do Consórcio
Construtor (CCBM). Não havia dúvidas, portanto, que o objetivo primordial era
fazer as obras de engenharia. Todas as construtoras brasileiras gabaritadas
para fazer uma obra do porte de Belo Monte estavam presentes no CCBM,
descartando uma necessária e saudável concorrência para a escolha do melhor
custo benefício.
“789. Tais apontamentos corroboram a
possibilidade de ter ocorrido acordos e acertos prévios com o fim de dar
aparente competição ao leilão, manter o mesmo grupo de empresas projetistas e
construtoras na elaboração dos projetos, na fiscalização e execução das obras,
além de manter o grupo Eletrobras como grande empreendedor de fato da
concessão.”
Parece bem claro que as empreiteiras
que idealizaram, com a Eletrobras, o monstro no rio Xingu, sempre tiveram como
único interesse, o de fazer a obra e faturar na frente, sem a responsabilidade
de cumprir condicionantes ambientais, programas de mitigações ou defender ações
na justiça. Espertamente, Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, deram
um jeito de o leilão ser concretizado sem elas. Nos bastidores articularam a
divisão do trecho.
Continua