terça-feira, 19 de setembro de 2017

Para quem Temer quer dar a Amazônia?


As mineradoras fingem que respeitam a legislação ambiental e o Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente fingem que fiscalizam.
Telma Monteiro

Li que a Renca deveria ser anulada para que a indústria mineradora e “redentora” pudesse se soltar e transformar a riqueza da Amazônia em riqueza do povo brasileiro. Onde, no Brasil, alguma mineradora, alguma vez, transformou a exploração em algo que não fosse degradação e desastre? E, lógico, em enormes lucros para si própria.

Quando foi criada, a Renca deveria preservar a região para a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), hoje apenas Vale. Na época a companhia estava sob a presidência de Eliezer Batista ( que para quem não sabe é pai de Ike Batista) conhecedor dos mapas das minas de toda Amazônia. Liberar a Renca, como quer o governo Temer, será perpetuar a apropriação dos recursos naturais, na forma de commodities minerais, sem agregar valor, para exportar para a China, por exemplo.

O potencial da Renca é rico em ouro, ferro, manganês e tântalo, por enquanto. É o que foi dito pelo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, ao presidente Temer. Segundo o geólogo Antônio Feijão, ex-diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) no Amapá, pode-se multiplicar muitas vezes a quantidade de ouro de Serra Pelada. Só com essa afirmação pode-se imaginar o que acontecerá com a região se a Renca for desbloqueada.

Como costuma acontecer, vão enxotar indígenas, degradar rios e marcar a floresta com ferro e fogo. A grande parte dos processos minerários, anteriores a 1984, “preservada”, foi objeto de apropriação do próprio Estado para uso do próprio Estado, em parceria com empresas e interesses impublicáveis.
Na esteira da mineração vem todo o resto. Vem a ocupação, a grilagem, o agronegócio predatório, as queimadas, a contaminação dos rios, a venda ilegal de madeira. Ninguém vai fiscalizar. Sabe por quê? A política é que manda.

Até agora, por ironia do destino, o bloqueio da Renca acabou sendo um escudo de defesa da região contra o ataque das grandes mineradoras nacionais e internacionais. Esqueceram a Renca e os governos se sucederam.

Depois da criação da Renca, em 1984, sob o regime militar, foram criadas e consolidadas muitas Unidades de Conservação e algumas se superpõe à área. A Floresta Estadual Paru foi criada oficialmente em 2006; RDS Rio Iratapuru foi criada em 1997; APA Arquipélago do Marajó criada em 1989; Rebio Maicuru criada em 2006; PARNA Montanhas do Tumucumaque criada em 2002; FE do Amapá criada em 2006; Resex do Rio Cajari criada em 1990; Terra Indígena Waiãpi homologada em 1996; Terra Indígena Rio Paru D’Este homologada em 1997.


Com tantos exemplos em que os limites de Unidades de Conservação e terras indígenas não foram respeitados para que grandes projetos hidrelétricos fossem construídos na Amazônia, é irônico pensar que com a Renca extinta isso acontecerá. As unidades de conservação são, na verdade, um empecilho a ser removido para viabilizar mais que os 31% livres de superposição, para exploração mineral. É preciso recordar que Dilma reduziu unidades de conservação para fazer caber as usinas hidrelétricas planejadas no rio Tapajós. O que significa para o povo brasileiro “interesse da nação”?

Agora queremos respostas sobre o porquê açodado do desbloqueio da Renca a pedido do Ministério de Minas e Energia. O que realmente está por trás da Portaria de março de 2017? Política? Negócios com o Canadá? As empresas canadenses já estão presentes na Amazônia, desde a região de Belo Monte, no Xingu, com a Belo Sun Mining, até a exploração ao longo da bacia do rio Jamanxim. Então, por que um decreto tão sucinto? O mapa da época que o ilustrou mostra a região da Renca de forma a parecer um deserto.

Dou a pista aqui. Segundo a portaria do Ministério de Minas e Energia, o objetivo da extinção da reserva é o de "se criar mecanismos para viabilizar a atração de novos investimentos para o setor mineral". Eis o que significa para o governo o “interesse da nação”.  

A Vale na Renca
Em 1967 o Projeto Carajás da Vale se tornou realidade. É um exemplo devastador com feridas ainda abertas que jamais cicatrizarão. A exploração de Carajás criou uma espécie de tradição na vocação da região e despertou a cobiça dos militares e de empresas mineradoras do mundo inteiro. Quem pode garantir a integridade da Amazônia? Seria o Ministério do Meio Ambiente, capenga, sob a batuta de um ministro fraco e despreparado? Ou o Ibama, desestruturado, sem pernas nem para impedir o comércio ilegal da madeira retirada da floresta nas barbas da sociedade? Quem vai fiscalizar? Multar e punir? São apenas dois fiscais do Ibama na região da Renca.

Carajás
A Vale não podia explorar aquele quadrilátero de mais de 46 mil quilômetros quadrados antes de 1984, quando a Renca foi criada. Guardaram para o futuro. Congelar a região foi uma cortina de fumaça para impedir que as verdadeiras riquezas ali já descobertas e a descobrir pelos geólogos da CPRM e Vale fossem destinadas a outros interessados. Uma disputa da Vale com a British Petrolium (BP), pelos títulos e autorizações de lavra na Renca, ameaçava criar um quiproquó internacional contra o Brasil. O governo e a Vale preferiram bloquear “temporariamente” a reserva, evitando assim que a BP reivindicasse direitos.

O tempo passou, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi privatizada e se transformou na poderosa Vale, empresa que já ganhou o prêmio de pior do mundo.
   
Infelizmente, o futuro viria confirmar o título com o desastre de Mariana provocado pela negligência da Samarco. A Vale foi, também, campeã de contribuições a políticos. O PMDB do Temer foi amplamente beneficiado pelos milhões que ajudaram a eleger gente que manda no Ministério de Minas e Energia.

Em 2016 começou uma verdadeira campanha para “recuperar” a credibilidade da mineração brasileira e foi criado o Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, composto por três Medidas Provisórias.

A CPRM
O projeto “Pesquisa Geológico-Econômica na Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca)”, sob o título de Projetos Especiais e de Apoio, foi citado apenas no Relatório Anual da CPRM do ano de 1990. Em mais nenhum relatório ele foi mencionado.

Esse foi o primeiro Relatório Anual da CPRM, de 1990, em que se escancarou o fracasso da companhia e a necessidade de se cobrir os prejuízos assumidos em dívidas com bancos, fornecedores, passivos trabalhistas, imóveis alugados. Como justificar os imóveis milionários da CPRM como um no Rio de Janeiro, com 26 mil m² de área construída.

Lista das unidades da CPRM no Brasil
A CPRM, ainda responsável pela Renca, é hoje uma empresa pública. Passou de Empresa de Economia Mista para Empresa Pública, em 1994. O objetivo da criação da Renca era o de garantir a exclusividade da CPRM na prospecção e lavra nessa rica região mineral. Mas as coisas não saíram como o planejado, pois em 1990 a CPRM tinha uma dívida de 10 milhões de dólares e muitas dificuldades para dar andamento nas suas atividades fins. Só ela teria autoridade para realizar pesquisas e concessões de lavra às empresas com as quais negociava. A Renca é parte disso.

A história da CPRM mostra o seu fracasso desde que a Renca foi criada. Sem recursos financeiros e técnicos, e sob forte influência política o programa fracassou. Em 1994 passou a ser Serviço Geológico do Brasil, ou seja, dormência absoluta, e alijado dos propósitos iniciais de levantamentos geológicos, geofísicos e pesquisa mineral que passaram à iniciativa privada.


O salvo-conduto da Amazônia teve início nesse momento. Sem recursos, relegada a um plano secundário, a CPRM não concluiu sua missão e foi o que preservou aquele rico quadrilátero até os dias de hoje. O conhecimento e pesquisa mineral da área congelou depois que a CPRM se tornou uma empesa pública, hoje conhecida como Serviço Geológico.

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