|
Fonte: http://www.epl.gov.br/ferrovias2 |
Ferrogrão
Parte 3
Chamar
a Ferrogrão de “âncora indissociável” da BR-163, em plena Amazônia, é como
considerar que o paciente doente se tornará terminal por decisão do médico.
Telma Monteiro
A
Ferrogrão não vai poupar as Terras Indígenas no seu traçado, nem Unidades de Conservação
(UCs). São 19 Terras Indígenas (TIs) demarcadas pela Fundação Nacional do Índio
(Funai), em processos em que podem estar declaradas, delimitadas,
regularizadas, homologadas, encaminhadas e em estudo.
A
Portaria Interministerial n° 419, de 26 de outubro de 2011, diz que é preciso
respeitar uma distância mínima de 10 km das Terras Indígenas, na Amazônia
Legal, para empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental. Ora, é também sabida
a importância biológica das UCs e como os recursos dos ecossistemas mantém
economicamente as comunidades tradicionais. Como desconsiderar áreas protegidas
de grande relevância biológica na região, mesmo que que estas já tenham sido castigadas
pela intervenção da BR 163 e que poderão sofrer ainda mais com a implantação e
operação de uma ferrovia que tem estudos questionáveis sobre aos impactos na diversidade?
Justificativas
como a existência de populações e atividades agropecuárias, extração de
madeiras e caça não podem ser considerados pré requisitos para a aprovação da
Ferrogrão. Ao contrário, essas interferências seriam agravadas e
potencializadas. São, sim, ameaças às UCs e às terras indígenas.
Os
estudos preliminares da ferrovia, inclusive, apontam a importância das regiões
a serem atravessadas. Tanto da diversidade biológica como das riquezas naturais.
Esses são fatores determinantes para reconsiderar a construção de mais um elemento
de interferência no já combalido trajeto da BR-163. Recursos previstos, sim, que
deveriam ser empenhados, prioritariamente, pelo governo federal para
recuperação e fiscalização do avanço das atividades ilegais na região.
A vegetação
Uma
paisagem exuberante, em que a Floresta Amazônica e o Cerrado se entrelaçam e se
fundem nas áreas de transição, implica numa riqueza natural que está sendo
desrespeitada. O centro-norte do estado do Mato Grosso, de onde pretende partir
a Ferrogrão, já é altamente produtivo da soja que avança, ano a ano, em larga
escala, para engolir as bordas da Amazônia.
Há
uma insinuação velada nos estudos preliminares da Ferrogrão, de que a Amazônia
Legal é um “problema” por ocupar mais da metade do território nacional. Embora esteja
mencionada a sua importância para a sobrevivência do planeta, parece que a referência
certa seria a importância da “imprescindível” sobrevivência da comercialização
de commodities.
O
agronegócio, assim como a mineração anseiam pela flexibilização da legislação
ambiental que permita seu avanço sobre a biodiversidade da Amazônia Legal. Já
estamos, pois, avançando nesse aspecto quando (na semana passada) o Supremo
Tribunal Federal (STF) recusou o recurso de organizações contra o novo Código
Florestal e confirmou a anistia para aqueles senhores feudais do agronegócio que
desmataram até 2008.
A confirmação da destruição
Embora
as alterações no bioma tenham sido expressivas, principalmente entre a rodovia
BR163 e a bacia do rio Iriri, especialmente na região conhecida por Terra do
Meio, os estudos preliminares do projeto da Ferrogrão apontam aquilo que chamam
de “exploração seletiva de madeira”.
Acrescento
aqui uma observação sobre prioridades. A importância de ser o Brasil o segundo
maior produtor mundial de soja e o maior exportador não o qualifica como um
país voltado prioritariamente para investimentos na infraestrutura de transportes
urbanos, atualmente deficiente e sucateado. Exemplos não nos faltam, como o
sistema ferroviário da maior cidade do país, São Paulo, que deveria atender aos
milhões de trabalhadores usuários que amargam as agruras do ir e vir devido ao
descaso das concessionárias. Pode-se citar cada capital dos estados brasileiros,
de norte a sul, leste a oeste, que tem o mesmo problema.
No
entanto, o ministério do Planejamento se preocupa com o macro, deixando o
cidadão comum a mercê da incompetência de governos que prometem e não cumprem.
Ser um “player mundial” no setor de grãos põe na rabeira do desenvolvimento a
saúde do trabalhador brasileiro. Planejar a execução de obras em infraestrutura
social urbana parece ser o último item da lista de prioridades. Se é que ela
existe. Antes há que se atender a logística e o setor energético para
consolidar o chamado desenvolvimento sustentável (expressão desacreditada
atualmente) apenas focado no agronegócio, principalmente da soja. Há até um
Departamento do Agronegócio.
Os
investimentos previstos são todos calcados no macro desenvolvimento.
Disfarçados sob um falso caráter de inovação, na verdade se referem à área da
defesa, compra de helicópteros, aeronaves de transporte, aquisição de caças e o
programa nuclear com o desenvolvimento de submarino. Hidrovias que deveriam ser
prioritárias para o brasileiro que está nos rincões, travestiram-se de
navegabilidade com melhoria e ampliação dos portos e ferrovias apenas para
escoamento das áreas agrícolas e mineração. (Ministério do Planejamento, 2016).
O PIL
O
Programa de Investimentos em Logística (PIL) tem exatamente o propósito acima,
ou seja, aumentar investimentos em logística subsidiados por entidades
públicas, com concessões e financiamentos diretos. (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, 2016).
Voltamos ao velho modelo de empreendimentos concedidos a grandes empresas
visando única e exclusivamente os grandes negócios em detrimento das populações
urbanas, das populações tradicionais e das Terras Indígenas.
Aí
está a Ferrogrão, apenas um dos itens de uma mega proposta do Ministério do
Planejamento, num contexto macro de articulação de modais logísticos
(ferrovias, rodovias, hidrovias, portos e aeroportos) para satisfazer às
cadeias produtivas e às grandes empresas envolvidas, mais uma vez, nas
licitações. Basta ler o trecho dos estudos preliminares que se referem ao seu
papel estruturante no escoamento da produção de milho, soja e farelo de soja.
A
Ferrogrão ou EF-170, trecho Sinop-Miritituba, no projeto do PIL, é um clássico
daquilo que estamos vivendo desde 2003. Chamar a Ferrogrão de “âncora indissociável”
da BR-163, em plena Amazônia, é como considerar que o paciente doente se
tornará terminal por decisão do médico.
Para fechar a série sobre a análise da
Ferrogrão, uma frase dentro do conteúdo dos estudos preliminares me causou
arrepios:
“Assim, a demanda de
pequenos quantitativos de terrenos em Unidade de Conservação de Proteção
Integral (PARNA Jamanxim), paradoxalmente, está alinhada com as diretrizes
regionais para garantir desenvolvimento sustentável.”(grifo da autora)
Consultas: