Imagem: André Villas Boas - ISA |
Todos sabiam que construir Belo Monte traria prejuízos inenarráveis, sociais, ambientais e financeiros. Os recursos para construir o monstro do Xingu saíram dos cofres públicos, a juros subsidiados e com carência de 10 anos. Para produzir quase nada de energia. Não dá para iluminar a Itália!
Telma Monteiro
Há
que se esclarecer mais um capítulo do drama da hidrelétrica de Belo Monte, no
rio Xingu. Denúncias vieram a público, seguidas de desmentido da Norte Energia.
Mas, há um relatório que confirma a situação de escassez de água para alimentar
as turbinas que, segundo o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL), levariam energia para 60 milhões de brasileiros. Fake!
Tive
acesso a um relatório sobre modelagem matemática da qualidade da água dos reservatórios
do Xingu e Intermediário da UHE Belo Monte, para os períodos de baixas vazões
afluentes (pouca água que chega na região onde está o reservatório do Xingu) ao
rio Xingu, realizado pela empresa EnVex Engenharia e Consultoria.
Segundo
o relatório, nos anos de 2016 e 2017, o rio Xingu apresentou baixas vazões
atípicas. Isso levou os responsáveis pela hidrelétrica a solicitar à Agência
Nacional de Águas (ANA) e ao IBAMA uma alteração na vazão do Reservatório do
Xingu para o Reservatório Intermediário. Essa alteração seria necessária para
atender às questões de operação das turbinas (que geram energia) da Casa de
Força Principal, no sítio Belo Monte, e manter a qualidade da água no
Reservatório Intermediário que alimenta essas turbinas. Fica claro que aquilo
que estava previsto pelos pesquisadores, cientistas e professores está acontecendo:
a hidrelétrica de Belo Monte não vai conseguir operar todas as máquinas para
gerar a energia prometida nos relatórios da Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL). O custo atualizado do empreendimento beira aos 40 bilhões de
Reais.
Entenda o problema da escassez da
vazão do rio Xingu para gerar energia
Imagine
um rio. Ele tem uma barragem com 97 m de altura (a água do reservatório só pode
baixar até 95,20m) que forma um grande lago (reservatório), e na margem direita
tem uma saída de água que deve verter, no período de estiagem, no mínimo
700m³/s, que vamos chamar de saída 1. Do outro lado da barragem, na margem
esquerda, tem uma outra saída para escoar no mínimo 300m³/s, que vamos chamar
de saída 2. A saída 2 leva a água por um canal para um outro lago
(reservatório), construído artificialmente, chamado de Intermediário. O
reservatório Intermediário tem uma barragem para acumular água suficiente para
fazer funcionar as turbinas da Casa de Força Principal que geram a energia.
Agora,
imagine uma situação de grande escassez de água que flui pelo rio devido à seca,
comum nessa época do ano, e que, excepcionalmente, está mais grave. A vazão do
rio baixou para apenas 750m³/s que devem alimentar o reservatório do lago 1
(maior) e distribuir essa água para a saída 1 e para a saída 2. A saída 1 tem
que verter 700m³/s no mínimo, obrigatoriamente, pois vai percorrer o trecho do
rio que não pode ficar seco; esse foi o compromisso assumido no processo de
licenciamento para obtenção da licença. Se não fosse a construção de Belo
Monte, esse trecho de 62 km receberia água durante todo o ano conforme a vazão
do rio.
Então,
para evitar que no período de escassez de água a Volta Grande do Xingu secasse
por um longo período, inventaram essa coisa chamada hidrograma de consenso. O
hidrograma de consenso deve garantir o mínimo de 700m³/s para “assegurar as condições
de vida a ribeirinhos e indígenas, bem como à ictiofauna, flora e demais
elementos do ecossistema da Volta Grande do Xingu”.
Dito
isso, agora imagine esse rio com uma barragem que impede a água de fluir
livremente para o trecho que passou a ser chamado de Trecho de Vazão Reduzida
(TVR), mas que por conta da construção da barragem vai receber no mínimo
700m³/s, impreterivelmente.
Nesta
época, em que a escassez da vazão do rio Xingu ficou tão grave é preciso fazer
a “Escolha de Sofia”, já que os 750m³/s que estão entrando no primeiro
reservatório não suprem, ao mesmo tempo, o hidrograma de consenso pela saída 1
(700m³/s) e a saída 2 (300m³/s) que deveriam mover as turbinas da Casa de Força
Principal e gerar a energia.
Se
não houver vazão suficiente do rio para manter o reservatório Xingu e o
reservatório Intermediário, como informado na carta do responsável pela Norte
Energia, dirigida à Agência Nacional de Águas (ANA), é preciso dar um jeito. O hidrograma
de consenso no TVR não pode ser alterado, pois afetaria a vida na Volta Grande
do Xingu.
Traduzindo:
nesse período crítico, ou se manteria a vazão do Reservatório do Xingu
(principal) para o Reservatório Intermediário, em prejuízo do TVR, para operar
as turbinas da Casa de Força Principal no sítio Belo Monte ou, então, as
turbinas teriam que parar de gerar energia.
Para
solucionar o problema de prejuízo no TVR, a EnVex considerou e sugeriu que poderia
haver uma operação parcial das turbinas da Casa de Força Principal do sítio
Belo Monte, com vazões (em pulso) variando de 50m3/s em 50 m3/s até atingir o
mínimo de 300 m³/s, sem prejuízo da qualidade da água. Dessa forma seria possível
acumular água no Reservatório Intermediário e ter vazão suficiente para acionar
as turbinas e gerar energia duas horas por dia. Com essa medida, a vazão mínima
na Volta Grande do Xingu ficaria garantida.
O
pedido da Norte Energia, diante das conclusões do relatório da EnVex Engenharia
e Consultoria, foi, então, no sentido de obter da ANA a autorização para reduzir
a vazão do reservatório do Xingu para o reservatório Intermediário. A EnVex,
então, fez várias simulações com vazões interrompidas (por pulso) para
conseguir operar parcialmente as turbinas e ao mesmo tempo evitar que houvesse prejuízo
de vazão para a Volta Grande do Xingu. Mesmo assim, uma hidrelétrica com o
porte de Belo Monte, com todos os impactos que causou e ainda causa, em
períodos de escassez extrema de água afluente, só vai funcionar duas horas por
dia.
O bode na sala
Ora,
propor interromper a regularidade da geração de energia de uma hidrelétrica que
já custou quase R$ 40 bi, e ainda alterar a regra da vazão para “não prejudicar
o TVR, as populações e a biodiversidade” me parece um conto da carochinha, em
se tratando da empresa Norte Energia e desse governo atual. Não sei se a
proposta do diretor da Norte Energia foi aceita pela ANA e pela ANEEL, mas, essa
escolha entre fazer funcionar parcialmente as turbinas de Belo Monte ou manter
a vida na Volta Grande do Xingu e seus povos, não deixa dúvidas sobre qual será
a opção. É preciso ficar atento às decisões que podem impactar ainda mais a já
combalida Volta Grande do Xingu, seus povos e a biodiversidade.
Mais
uma vez, fica evidente que as modelagens dos estudos que serviram para conceder
as licenças para construir Belo Monte, deixaram de contemplar cenários de
riscos agravados pelas mudanças climáticas aceleradas ano a ano.
A Aneel ignorou o problemas e
autorizou a operação da última turbina
Em
meio a esse imbróglio, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou,
em 19 de novembro, passado a entrada em operação da última turbina de Belo
Monte. É um marco histórico porque coroa uma das maiores destruições num grande
rio da Amazônia, o Xingu. A hidrelétrica marcou profundamente a sociedade,
antes e durante sua construção. Assistimos povos indígenas e populações
tradicionais sendo compulsoriamente removidos do seu habitat. Assistimos,
impotentes, a destruição da floresta. Assistimos ao recrudescimento da
violência em Altamira. Assistimos ao descumprimento das condicionantes do
processo de licenciamento, pela Norte Energia, consórcio responsável pela
construção e Belo Monte. Assistimos à destruição da biodiversidade da Volta
Grande do Xingu, que deixou de ter a sazonalidade imprescindível para a
manutenção e reprodução de espécies endêmicas, da vida das populações indígenas
e ribeirinhas.
A
Volta Grande do Xingu, trecho único na Amazônia, essencial para os indígenas e os
ribeirinhos que dependem da biodiversidade para sua sobrevivência, pode secar
definitivamente, ou receber menos água. O chamado hidrograma de consenso, mínimo
de vazão necessário para manter a vida no trecho da Volta Grande, e que foi acertado
com a ANA (Agência Nacional de Águas) durante o processo de licenciamento da
Hidrelétrica Belo Monte, pode estar em perigo devido à escassez de chuvas na
região.
A
Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), em comemoração ao feito da entrada de
operação da última turbina de Belo Monte, mesmo diante do dilema da escassez
grave de água no rio Xingu, este ano, produziu uma matéria mentirosa, da qual
faço questão de transcrever um trecho:
Durante
a cerimônia, o diretor presidente da Aneel, André Pepitone, destacou que a
energia gerada pela usina, vai atender cerca de 60 milhões de pessoas em todos
os estados do país.
“Belo
Monte vai gerar energia para atender 18 milhões de residências ou 60 milhões de
brasileiros, o que equivale à população da Itália. Belo Monte sozinha atende à
Itália”, disse.
Belo
Monte não vai gerar energia o ano todo, como se viu acima, neste texto. A
sazonalidade, apesar dos estudos dos empreendedores, está se mostrando pior do
que o previsto. As mudanças do clima estão afetando os regimes de chuvas na
Amazônia e seus rios. Fica clara a necessidade, diante da escassez de vazão
afluente, de reduzir o fluxo do reservatório do Xingu para o reservatório Intermediário
que alimenta a Casa de Força Principal de Belo Monte e suas turbinas.
Todos
sabiam que construir Belo Monte traria prejuízos inenarráveis, sociais,
ambientais e financeiros. Os recursos para construir o monstro do Xingu saíram
dos cofres públicos, a juros subsidiados e com carência de 10 anos. Para
produzir quase nada de energia.
Não
dá para iluminar a Itália!
Era obra demais e desnecessária para fazer grana. Eles já realizaram o projeto e a grana que pretendiam. Agora é só empurrar com a barriga porque em qualquer decisão que for tomada vai ser mais grana. Pública!
ResponderExcluirO dinheiro não volta ao cofres públicos. Só sai! Eles sabem disso também para qualquer obra futura de conserto do problema.
Era de exigir dos responsáveis uma restituição ou remediamento da situação sem pagamento! Mas esse país não é sério.