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Por Telma Monteiro
A
Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-26) será em novembro
e o Brasil deve passar ao futuro sua pior imagem da história. Junte-se a isso a
iminência da aprovação do Projeto de Lei 3.729/2004 (já aprovado na Câmara dos Deputados) que
flexibiliza a legislação ambiental para que os grandes projetos estruturantes,
muitos na Amazônia, possam tramitar em tempo recorde nos processos de
licenciamento: dispensando a consulta livre, prévia e informada dos povos
indígenas, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), atropelando os trâmites dos processos de licenciamento, além de
prever licenças autodeclaratórias. Esse é o status atual da situação ambiental do
governo Bolsonaro.
O
primeiro ano, 2019, da administração do presidente Jair Bolsonaro se pautou,
principalmente, pelo desmanche do Ministério do Meio Ambiente. Bolsonaro, ao
escolher o já conhecido e nada respeitado Ricardo Salles como ministro do meio
ambiente, deixou evidente que a questão ambiental estava fadada ao fracasso. O
presidente já manifestara, durante a campanha à presidência, seu desejo de
extinguir o ministério do meio ambiente e deixa-lo sob o guarda-chuva do
ministério da Agricultura, o que acabou não acontecendo. O ministro Ricardo
Salles, então interferiu e alterou o colegiado do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), reduzindo a participação da sociedade civil e aumentando a
participação dos órgãos federais, estaduais, municipais e do setor empresarial.
Os
biomas brasileiros, em especial a Amazônia e o Pantanal, e toda a regulação
ambiental do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) ficaram mais fragilizados
e vulneráveis sob o comando de Ricardo Salles e do presidente da República. O regramento
ambiental, na iminência de ser alterado por um projeto de lei que tramita no
Congresso Nacional, poderá facilitar, agilizar e pular etapas no processo de licenciamento
de projetos de infraestrutura.
Assistimos,
em 2019 e 2020, aos incêndios florestais criminosos que se intensificaram devido
às ações de proprietários de terras para desmatar e aumentar áreas de plantio e
pecuária. Para agravar o cenário, a mineração em terras da União, leia-se
terras indígenas, se tornou uma obsessão para o governo Bolsonaro. Em paralelo,
Ricardo Salles defende criminosos responsáveis pela maior extração de madeira
ilegal apreendida na Amazônia, pela Polícia Federal, depois de denúncias vindas
dos EUA.
Para
não esquecer, além do desmonte do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles e
Bolsonaro também desprezaram, em 2019, os acidentes de vazamento de petróleo no
litoral brasileiro. Minimizaram as mudanças climáticas e o aquecimento global. Salles
interferiu, também, no conselho gestor do Fundo Amazônia (FA) e na composição do
Conama, diminuindo a participação da sociedade civil. A intervenção no FA fez
com que a Noruega e a Alemanha, principais doadores, impedissem o acesso do
Brasil aos recursos destinados aos projetos para redução do desmatamento da
Amazônia e das emissões de GEE.
Bolsonaro
também demitiu o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),
Ricardo Galvão, porque ele divulgou dados alarmantes, em julho de 2019, do
aumento do desmatamento na Amazônia. A estrutura do Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente (Ibama) foi desmontada por Salles, que ainda reduziu os recursos
para o combate aos incêndios e ao desmatamento. Não satisfeito com tantos
desmanches, Bolsonaro ameaçou sair do Acordo de Paris, acompanhando a intenção
do então colega Donald Trump.
A
atitude que mais impactou a opinião pública nacional e internacional, no
entanto, foi um vídeo vazado da reunião ministerial em que Salles sugeriu ao
presidente da República que aquele seria o momento para mudar o regramento
ambiental, aproveitando a atenção dada pela mídia à pandemia da Covid-19. Usou
a expressão “passar a boiada” ou, traduzindo, aproveitar o momento de distração
da mídia para fazer alterações nas leis ambientais sem que fossem percebidas.
A
mídia nacional e internacional deu visibilidade à tragédia das queimadas na
Amazônia e evidenciou o desastre em que se transformou a gestão ambiental nas
mãos de Bolsonaro e Salles. A Amazônia, a maior floresta do mundo, está no
Brasil, na Bolívia, no Peru, na Venezuela, no Equador, na Colômbia, no Suriname
e na Guiana. A maior porção da Amazônia está no território brasileiro e o que
acontece com ela pode se refletir também nos demais países depositários dessa
biodiversidade e riqueza. Nem é preciso mencionar que o equilíbrio do clima
mundial depende da manutenção e preservação da Amazônia, do combate ao
desmatamento e às queimadas. Mas os olhares do mundo estão voltados para o
trato da floresta e dos indígenas e suas terras que nunca estiveram tão
ameaçados como sob o governo Bolsonaro. O descaso com a preservação da Amazônia
sob esse governo já se faz presente com o aumento da temperatura e o colapso da
água no sudeste. A falta de fiscalização fez recrudescer o desmatamento e a
extração ilegal de madeira nobre da Amazônia. Sem o controle do desmatamento o
sul da Amazônia pode perder 56% da floresta até 2050.
Quanto
ao combate às queimadas, ficou claro para o mundo a falta de recursos que fez a
Amazônia arder como nunca, pois as equipes treinadas do Ibama, desmontadas, não
puderam cumprir sua missão. Incentivados por Bolsonaro e seu discurso de que o
interior da Amazônia não queima porque é úmido, grileiros de terras se
encarregaram de incendiar a floresta, sem que fossem impedidos devido a ausência
de fiscalização, recursos, pessoal e treinamento. Até o vice-presidente,
general Hamilton Mourão, assumiu um protagonismo inusitado quando foi convidado
por Bolsonaro para coordenar o Conselho Nacional da Amazônia Legal, que não tem
papel muito bem definido. Recebeu, no entanto, o apoio de um grupo expressivo e
poderoso de empresários do agronegócio, temerosos de perder os potenciais investidores
internacionais e ver desaparecer a oportunidade de criar projetos de infraestrutura,
em prejuízo da biodiversidade e dos povos amazônicos, para facilitar o
escoamento de commodities para exportação. O “congelamento” dos recursos do
Fundo Amazônia fez com que houvesse uma revisão no discurso dos empresários preocupados
com a pressão internacional que ficou mais intensa com relação ao boicote de
produtos brasileiros produzidos em áreas desmatadas na Amazônia. Mourão recebeu
os empresários e tomou para si a missão de recuperar a credibilidade junto aos
investidores internacionais. A União Europeia tem condicionado suas relações
comerciais com o Brasil à redução do desmatamento dos biomas brasileiros, fim
das queimadas no Pantanal e na Amazônia.
Todos
os avanços alcançados para preservar a Amazônia e reduzir o desmatamento estão
sendo perdidos graças à atual governança ambiental de Bolsonaro e do ministro
do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e pode levar a cenários de impactos severos
no clima. Em abril deste ano (2021) a Amazônia atingiu o ápice histórico de
desmatamento, desde 2015, segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe),
com alertas numa área de 580,55 km², um aumento de 42% em relação ao mesmo mês
do ano passado. O presidente Bolsonaro fez, em abril (2021) um discurso
mentiroso na Cúpula do Clima, ao prometer o combate ao desmatamento. Graças à
essa política anti-ambiental e com o crime institucionalizado na Amazônia, uma
espécie de pode tudo, como extrair e exportar madeira ilegal e grilar terras.
Com
o aumento do desmatamento detectado pelo Inpe, as metas propostas pelo Brasil
de redução de 43% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) até 2030, já estão comprometidas. E
Bolsonaro? Como vai justificar o não cumprimento da promessa feita na Cúpula do
Clima, preparatória da COP 26, de redução das emissões de GEE até 2030? E quanto
aos dados que mostram a incompetência brasileira na condução das políticas
ambientais, como prova o aumento do desmatamento na Amazônia? Ele vai esconder
do mundo e dos principais doadores do FA, Noruega e Alemanha, o maior
retrocesso ambiental da história do Brasil?