Por Telma Monteiro
Este texto é uma licença poética
em homenagem aos indígenas isolados, não contatados, na Amazônia, e que estão
ameaçados pelo PL490 em tramitação no Congresso Nacional. O legado do seu
conhecimento ancestral será reconhecido, no futuro, apenas pelos vestígios que
deixarão.
O
céu estava escuro, um nublado plúmbeo. Muito calor e umidade e ar abafado
traziam um silêncio agonizante na floresta. Um silvo ou assovio ecoou para
alertar os animais e espantar a indolência no ar. Humano?
O
ser coberto por um negrume que parecia pó de carvão imobilizou-se, mimetizado
entre ramos e galhos. Eram sombras suaves brincando na pele brilhante
respingada de gotículas. As passadas eram cuidadosas, mas pareciam retumbantes
naquele silêncio quebrado pelo som dos gravetos que gemiam ao seu peso. O índio
solitário tentava entender os movimentos e sons que vinham do meio da mata,
qual um animal desconhecido.
O
galho estalou no alto da árvore. Um
vulto brilhou contra a luz pálida daquele dia cinza, mostrando dentes
reluzentes e forma desconhecida e assustadora. O índio arqueou o pescoço e viu
o monstro. E o barulho era indecifrável. Um ranger de ferros e correntes vinha
de um grande objeto metálico. Apenas um espectro, sem carne e carcomido pela
ferrugem. O som era um rugido estranho e rescindia a óleo de palma.
A
criatura de metal era irreal para aquele ser assustado e já trêmulo. Em posição
de defesa, com a longa flecha diante do rosto, mirava no inimigo indecifrável.
O metal descascado em algumas partes refletia um brilho esmaecido pela luz
filtrada por nuvens carregadas. Mais um
passo e a curiosidade suplantou o medo. Um naco da floresta, onde antes havia
grandes árvores, tinha desaparecido. Dali ele podia vislumbrar o rio. O seu rio
corria furioso para se desvencilhar dos troncos que boiavam, criando formas
abstratas num caos vociferante. A água
estava tinta de terra vermelha. O medo novamente o dominou e ele acreditou, por
um momento, que o rio agonizava, ferido.
Gritos
desconhecidos. De repente o céu desabou. Mas não era um trovão e ele esperou e
olhou para cima e não sentiu a chuva. E o rimbombar se repetiu e ele levou as
mãos aos ouvidos, caiu de joelhos imerso na angústia provocada pelo
desconhecido. Mais explosões e pequenas lascas de pedras caíram sobre seu corpo
trêmulo. Estaria diante de um deus enfurecido e desgostoso? Teria ele cometido
algum ato que o enfurecera? Que oração e oferendas seria preciso para acalmar
esse novo deus do mal?
Correu
de volta alucinado, percorrendo a margem enlameada do rio, do seu rio que sempre
o guiara de volta. O barulho ensurdecedor foi ficando mais longe, não o
perseguia. Prestou atenção nos pequenos roedores assustados que passavam em
busca de abrigo. As copas das árvores se agitavam com a fuga das aves e até o
peixes pareciam irrequietos. A floresta estava diferente. Algo no seu mundo
mudara.
Trôpego
alcançou abrigo atrás de uma grande castanheira. Lá em cima uma nuvem escura de
fumaça e um cheiro diferente impregnou o ar. Seu coração acelerado se recusou a
tomar o ritmo normal. O céu estaria desabando?
O
índio entendeu que era o fim do seu mundo. Correu em busca do silêncio da
floresta.
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