Imagem Tecmundo |
Por Telma Monteiro
Milhões
de brasileiros só vivem de esperança de que um dia algo vai mudar e suas
necessidades serão atendidas pelo Estado omisso, e o mundo vai ficar mais
bonito. Fico assistindo às catástrofes em sequência, às mortes por negligência
de governos, às mulheres que choram filhos mortos por balas perdidas, aos
moribundos nas portas e corredores de hospitais decrépitos, aos desastres banalizados
que já não nos fazem chorar, mas fazem chorar suas vítimas. E a pandemia da
Covid 19 imersa num emaranhado asqueroso de descaso, incompetência e corrupção.
A feira vulgar de venda de vacinas no Ministério da Saúde, sob o domínio das
fardas com cheiro de naftalina, revelada pela CPI da Covid. E, ainda, continuo
esperando ver encarcerados os mandantes dos assassinatos de Marielle e
Anderson. A lista é interminável, não acabou, as ameaças são cada vez mais
escabrosas. Que descobertas nos farão chorar, ainda?
O
Brasil, meu Brasil brasileiro, canto que não posso esquecer, pois brasileiro é
a brasilidade distorcida, a alma ferida do sofrer e que sem esperança vai
levando sua dor e esperando pela próxima. Povo sofrido, paciente, de norte a
sul, de leste a oeste. O pobre que é responsabilizado pelo desmatamento porque
tem fome. O pobre que desce o morro para fugir do morro. O pobre que mora no
morro porque alguém lhe tirou o direito à moradia digna. Está na Constituição
Federal. Então, a busca pelo novo se multiplicou pelo Brasil e a desesperança
deu origem à revolta que fez nascer um novo ciclo de maldades. Bolsonaro foi
eleito pelo medo de se repetir um erro que não houve.
O
povo brasileiro se acostumou a superar, superar não, na verdade aprendeu a
suportar todas as ignomínias de que tem sido vítima. A mata pega fogo, o morro
desliza, a barragem rompe, o garimpo mata o índio. Onde está a sua culpa? No
nascer, no crescer e no envelhecer? No viver. É sua culpa, sussurram aqueles que ignoram a
sua própria, vendando os olhos diante das inconstitucionalidades arremessadas
ao povo, diariamente. É sua culpa brasileiro, chamado de vagabundo, que não se
impõe, e espera o impossível. Onde estão vocês, brasileiros do hino nacional,
que “ouviram do Ipiranga, às margens plácidas, aquele brado retumbante”?
Onde
está “o berço esplêndido”, essa igualdade que não conseguimos “conquistar com
braço forte”, porque não o fizeram forte o suficiente? Fraco, distanciado da
realidade que formatou a “Morte e Vida Severina”. Mortos que chorados desfilam
nas nossas retinas numa fila sem fim. Ah, brasileiro sem brasilidade, sem o
amor, sem a gloria de viver numa terra fértil que não é dele e nem nunca será.
Sem esperança. Cadê você brasileiro ancestral que arranhou este chão inglório e
luta para alcançar aquilo que lhe devem por direito?
O
Brasil do brasileiro foi abandonado no esterco seco que não serviu para fazer a
terra fértil prometida e florescer o alimento da sua sobrevivência. Cadê você
brasileiro sofrido que tem vivido a vida de outrem sempre à beira da desgraça
da terra infértil? Onde você vai buscar o seu alguém de dentro e de fora para
fazer justiça às mágoas que acumula? Meu Brasil do brasileiro que poderia
fulgurar com um povo feliz despido do medo e no comando do tempo benfazejo. Crê
no amanhã que um dia chegará e na fortuna que jamais acumulará. Crê na crença
da criança que deambula na favela e morre vítima da bala teleguidada. Crê na
justiça divina, poética e infinita que acabou de te roubar o amor e te deixou a
desdita. Oh força abatida pelos dias de luta no chacoalhar do ônibus velho, no
transpirar do ar impregnado do suor de seus pares. Quem você imagina que poderá
te receber um dia no limite da sua nostalgia e do seu deserto interior?
Como
é bom não pensar, não sentir, não ver tudo que te rodeia e te apequena na tua
morada encharcada pela umidade do calor. Veja seu vizinho de frente, um
instante na janela, cotovelo apoiado e a moldura descorada, com olhos perdidos
num ponto ao longe, na escuta. Veja o esgar do som da multidão que te rodeia,
alheia ao seu caos. Veja o amor que falta na volta que faz a esquina que leva para
o lugar em que não enxergas. Veja como as sombras se projetam abaixo, na
calçada, cascalhada e descascada, que te catapulta num tombo ou numa torção.
A
ladeira que sai do morro se esforça, se inclina e gente que vai e que vem não a
sente. São dias, dias de sol, de chuva, de calor e de frio que faz o semblante
enrugado num esgar de sofrer e de ver a morte morrer. Pensa na volta e não na
ida. Pensa na vida, aquela que o espera no limiar da solidão e em busca do
sonho e da paixão.
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