Imagem: Revista Exame |
Por Telma Monteiro
Dando continuidade ao ciclo de palestras em parceria com a Associação para os Povos Ameaçados (APA), com sedes na Suíça e na Alemanha, faço abaixo um resumo da terceira rodada, desta vez com o o Ministério Alemão de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ), com sede em Berlim. O BMZ está ligado à boa governança, ao respeito aos direitos humanos e à luta contra a corrupção. Agora, o “BMZ 2030”[1] estabelece novas prioridades em proteção climática, saúde e política familiar, cadeias de abastecimento sustentáveis, uso da digitalização e fortalecimento dos investimentos privados.
Quem já viu uma imagem ou
desenho da Amazônia e percebeu o tamanho dela em relação o Brasil, não consegue
imaginar tudo o que ela abriga. Ela é um grande mosaico de unidades de conservação,
terras indígenas, bacias hidrográficas, sub-bacias, igarapés, cidades em meio à
floresta, estradas de difícil acesso, hidrovias e povos indígenas, quilombolas.
A Amazônia é mágica, sublime, imensa e protege tesouros incalculáveis como o
conhecimento dos povos originários e a biodiversidade.
A Amazônia jamais deveria
ser explorada pois, justamente por ser depositária de toda essa biodiversidade,
ela é única e suscetível aos ataques predatórios da economia e da expansão indiscriminada de lucros
abusivos. É impossível imaginar como tamanha riqueza no sentido de Natureza, de
vida, pode se tornar objeto de tanta ganância.
O estupro que Bolsonaro está
planejando para a maior de todas as florestas tropicais do planeta é de uma
insanidade única. A vida que a Amazônia guarda naquela imensidão não deveria
ser tocada por mãos ávidas. A Natureza está nos dando avisos ininterruptos de
que o ponto de retorno está ficando para trás e que em breve não o veremos mais.
O clima está difícil agora? Imagine se não fizermos nada, agora, para salvar o
planeta, salvando a Amazônia e seus rios voadores.
Em se tratando de meio
ambiente não há mais espaço para tentativas e erros ou equívocos. O que estamos
vivendo no Brasil de Bolsonaro é um propósito único: o de explorar as riquezas
minerais da Amazônia, de viabilizar a logística de transporte do seu interior para
os países mais ricos do mundo, e abastecer as necessidades de matérias primas cada
vez mais prementes nas tecnologias criadas para a vida moderna.
Ferrogrão EF-170 e
processos minerários
A Ferrogrão EF-170 é um
projeto prioritário do governo Bolsonaro. Em tese, a ferrovia servirá para
escoar e reduzir os custos de transporte da soja e do milho produzidos no norte
do estado do Mato Grosso e sul do estado do Pará. O projeto indica um traçado
de 933 km partindo da cidade de Sinop, MT, até o porto de Miritituba, no rio
Tapajós, no Pará, acompanhando a rodovia BR-163.
A rodovia BR-163 foi
concebida nos anos 1970 e é a rota principal, atualmente, para o escoamento das
commodities agrícolas produzidas no estado do Mato Groso. Ao longo do seu
percurso, é possível constatar o efeito “espinha de peixe” provocado pela
ocupação das margens da rodovia. O projeto da Ferrogrão acompanha o traçado da
BR-163 que corta ao meio o Parque Nacional do Jamanxim, e a Província Mineral
do Tapajós, a maior província mineral do mundo, e causa impactos em outras
importantes unidades de conservação e terras indígenas. Sem sombra de dúvida a
Ferrogrão não serviria apenas para escoamento das commodities agrícolas, mas
para viabilizar a exploração mineral de uma riqueza tamanha e ainda
desconhecida. Um estudo da USP estimou que a Província Mineral do Tapajós pode
produzir mil toneladas de ouro.
Nos documentos do governo
para atrair investidores internacionais consta que as faixas de domínio da
Ferrogrão e da BR-163 estão fora dos limites do Parque Nacional (PARNA) do
Jamanxim. A mentira pode ser comprovada. O Supremo Tribunal Federal (STF)
concedeu medida liminar suspendendo o processo da ferrovia, justamente porque
ela atravessa o PARNA do Jamanxim. O Ministério Público Federal (MPF) também
entrou com um pedido no Tribunal de Contas da União (TCU) de suspensão do
processo devido às irregularidades. O MPF cita, em especial, a falta de
consulta aos povos indígenas, como determina a Convenção 169 da OIT, e que
estão em 48 territórios com risco de potencial impacto produzido pela Ferrogrão.
Estudos indicam que a
Ferrogrão deverá induzir a um desmatamento de 2 mil quilômetros quadrados de
floresta nativa, uma área equivalente ao estado de São Paulo. A bacia hidrográfica
do Tapajós tem 764.183 KM² e pode ser dividida em quatro porções: montante, 170
km desde a formação do rio Tapajós pela junção do rio Juruena e Teles Pires;
intermediária, 255 km de Itaituba mais foz do rio Jamanxim; jusante, 320 km de
São Luiz do Tapajós até a foz no rio Amazonas; e bacia do Jamanxim, 657 km
(58.607 km²) que perfaz 1/3 da bacia do Tapajós.
Nessa imensidão é que está
o Parque Nacional do Jamanxim (PARNA) com 17 milhões de hectares de
áreas protegidas ou 8.598 KM². Tanto a BR 163 como o traçado da Ferrogrão
atravessam o PARNA Jamanxim, unidade de conservação federal que tem restrição
total. Esse é o ponto crucial que fez o STF suspender o processo da ferrovia. Para
nosso espanto, dentro do PARNA Jamanxim há processos minerários de platina, ativos,
numa área de 8.156 ha, da Vale, uma das maiores mineradoras do mundo.
Além do PARNA Jamanxim,
mais ao sul, está outra importante e imensa unidade de conservação federal que
é a Floresta Nacional (FLONA) Jamanxim com 13.017 KM², e que está totalmente dividida
em processos minerários ativos. Mas, quais seriam os interesses por trás da
construção da Ferrogrão? Ultimamente, o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio
Gomes de Freitas, e representantes da Agência Nacional de Transportes Terrestre
(ANTT) têm ido a público defender a construção da ferrovia e de interessados no
projeto. A VLI Logística, subsidiária da Vale e a Hidrovias do Brasil, do Fundo
Pátria estão primeiros na fila. O Fundo Pátria tem com acionistas:
•
Alberta Ltd, Sua Majestade a Rainha, Alberta, Canadá
•
Alberta Ltd, Alberta, Canadá
•
Sheares Investments (Temasek Holdings) Amsterdã
•
HBSA, FIP, SP
•
BTO – Construção Civil, Grupo Semco
•
BNDES, BNDESPAR, Brasília
•
INTERNATIONAL FINANCE CO, Washington
Há que se mencionar
também, novamente, os riscos imediatos da proposta de simplificação da
concessão da Ferrogrão, planejada pelo governo com a MP 1065/2021, que
estabelece um novo marco legal do transporte ferroviário. “O ponto principal
do texto é a permissão da construção de novas ferrovias por meio de uma
autorização simplificada, sem necessidade de licitação, à semelhança do que
ocorre em setores como telecomunicações, portuário e aeroportuário.”[2]
Outro ponto que
requer atenção especial é a mineração na Amazônia e a possível ligação com a
construção da ferrovia. O governo federal editou o Decreto Nº 10.657, de 24 de
março de 2021, que cria uma Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de
Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos -
Pró-Minerais Estratégicos, e institui o Comitê Interministerial de Análise de
Projetos de Minerais Estratégicos, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos
da Presidência da República.
Resumindo, esse decreto
vai dar um “jeitinho” nas tratativas ambientais para o licenciamento de minerais
considerados estratégicos para o governo federal. Essa espécie de “política”
Pró-Minerais Estratégicos vai permitir “ações entre órgãos públicos no
sentido de priorizar os esforços governamentais para a sua implantação.”
Para o governo
federal, o decreto servirá para “articulação” e “diálogo” entre
as instituições e interessados, para resolver as questões ambientais. (grifos meus).
Dá para entender perfeitamente que o decreto visa facilitar o licenciamento
ambiental para implantação de projetos minerários em terras indígenas e
unidades de conservação, às portas fechadas e com a violação dos ritos requeridos
pela legislação. Para isso foi criado, inclusive, um Comitê Interministerial de
Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME). A lista de 28 minerais[3] agora chamados de “estratégicos”
para o governo Bolsonaro, conforme o Decreto 10.657, inclui Molibdênio[4] e Urânio. Mineração precisa de ferrovias.
Eletrobras,
termelétricas e gasodutos
Paralelamente,
Bolsonaro fez aprovar no Congresso a lei 14.182, de 2021, de “privatização” da
Eletrobras, com capitalização, ou seja, venda de ações na Bolsa de Valores. O governo
brasileiro tem atualmente 60% das ações da Eletrobras e, pela nova lei deve
vender as ações para ficar com 45% e o poder de veto conhecido como “Golden
Share”. A lei da privatização da Eletrobras foi aprovada no Congresso Nacional
em apenas 24 horas, uma “urgência” atípica que o Supremo Tribunal Federal (STF)
vai julgar.
O Brasil está vivendo
a maior seca dos últimos 90 anos e essa alteração do regime de chuvas fez com
que os reservatórios das principais hidrelétricas chegassem a um estado crítico.
A degradação da Amazônia, os impactos nos grandes rios, nas terras indígenas,
na vida das populações ribeirinhas, provocados pelas grandes hidrelétricas como
Belo Monte, no rio Xingu, Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, São Manoel e
outras no rio Teles Pires, foram em vão. Os investimentos em geração de energia
dos governos anteriores priorizaram a exploração dos rios amazônicos, em
detrimento das energias limpas. Agora, a
Natureza está dando o seu recado com o agravamento das mudanças climáticas. A
seca no sudeste do Brasil, incêndios florestais e o desequilíbrio agravado
pelos grandes empreendimentos hidrelétricos afetaram duramente a biodiversidade
da Amazônia, e induziram o desmatamento e o garimpo em terras indígenas. Os impactos provocados na Amazônia, pelas
grandes hidrelétricas, o desmatamento, o garimpo e a ocupação estão provocando
a diminuição da vazão dos rios e afetando a geração de energia elétrica.
O atual Ministro de Minas
e Energia, Bento Albuquerque, conduziu a privatização da Eletrobras e o
Congresso conseguiu apensar os chamados “jabutis” ou trechos adicionados que
extrapolam o assunto original da proposta. Entre eles, a nova Eletrobras se
obriga a gerar 6 mil MW, ao longo de 15 anos, de energia termelétrica a gás
natural, que na prática significa energia suja e mais cara, além de um aumento estimado
em 25% de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).
Segundo a lei de privatização,
as termelétricas devem ser construídas nas regiões Norte, Nordeste,
Centro-Oeste e Sudeste, principalmente em localidades que não possuem
infraestrutura de transporte de gás natural, o que obriga a construção de
gasodutos cruzando a Amazônia e os demais biomas brasileiros. Além de uma
energia mais cara, os custos dessa infraestrutura levarão ao aumento do preço da
energia elétrica para os consumidores.
As termelétricas a gás
natural terão o objetivo de aproveitar as reservas de gás natural da Amazônia e
dos outros estados produtores. Paralelamente, estão os interesses de grandes
empresas como a OAS, uma expert na construção de gasodutos. As demais fontes de
energias genuinamente limpas como eólica e solar, mais baratas, não tiveram o
mesmo espaço de incentivo nas obrigações da nova Eletrobras, o que vai na
contramão do resto do mundo.
Um outro trecho
adicionado à lei de privatização da Eletrobras prevê a contratação obrigatória
de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas, 2 mil MW, em regiões ambientais
sensíveis como a Amazônia. A principal interessada nesse seguimento é a Brasil
PCH, uma associação das empresas Chipley SP Participações S.A, Eletroriver S.A,
BSB Energética, com o objetivo de expandir seu portifólio de PCHs. Mas, não
fica só nisso. Ao aprovar a “privatização” da Eletrobras, Bolsonaro e o
Congresso aprovaram também a possibilidade de garantir a navegabilidade dos
rios Madeira e Tocantins. Como? Dois rios com grandes hidrelétricas, que
poderão receber eclusas para viabilizar hidrovias e, assim, fechar o círculo definitivo
do ataque total ao avanço logístico do agronegócio e da mineração.
Como se tudo isso
não bastasse, o agronegócio do norte do Mato Grosso está intensificando sua
busca por terras indígenas no Cerrado para estabelecer parceria na produção de
soja e arroz. Indígenas estão sendo convencidos pela Funai que podem se “associar”
ao agronegócio, cedendo suas terras. Mas esse assunto fica para o próximo
artigo.
[1] https://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/pt-br/paz-e-seguranca/fomentar-o-desenvolvimento-sustentavel
[2] https://www.camara.leg.br/noticias/801386-medida-provisoria-institui-novo-marco-legal-do-transporte-ferroviario/
[3]
Classificados em três categorias: dependentes de importação; aplicação em alta
tecnologia; geram superávit da balança comercial.
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