Imagem: Época |
Telma Monteiro
Pensando
bem, e olhando a história, ainda antes do descobrimento do Brasil, fica claro
que a Amazônia sempre foi o alvo da cobiça de investidores, empresas e
governos. E continua sendo.
Não é preciso ir muito
longe nas pesquisas para descobrir como a Amazônia foi explorada desde que
Cristóvão Colombo esteve pela segunda vez no Novo Mundo, entre 1493 e 1495. Daí
para a exploração da borracha, despois da descoberta da vulcanização, em meados
do século XIX, foi um verdadeiro festival de ideias para “integrar” ou “povoar”
ou “saquear” a Amazônia.
Nenhuma novidade, já que,
atualmente, o objetivo continua sendo o mesmo. Para nossa surpresa, em pleno
século XXI, em Glasgow, na COP 26, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite,
soltou a seguinte pérola: “onde tem floresta tem miséria”. Boa, essa! Foi a
cereja do bolo da ignorância que pairou como uma nuvem negra sobre a enorme
delegação brasileira na COP 26. Glasgow ficou mais acinzentada.
O festival de besteiras
do staff de Bolsonaro na Europa, durante a COP 26 e em visita, depois, aos
Emirados Árabes, não ficou só nisso. Entre os excrementos que saíram da boca de
Bolsonaro pode-se citar dois, em especial: “a Amazônia não pega fogo porque é
úmida” e “a Amazônia continua igualzinha à época do descobrimento do Brasil”.
Dizer que o desmatamento da Amazônia nunca foi tão agressivo como no último
ano, é pouco. O INPE divulgou uma nota técnica, ainda em tempo de ser divulgada
durante a COP 26, onde apresentou os dados do desmatamento estimado de 13.235
km² ou 1.323.500 ha de corte raso no período de 01 agosto de 2020 a 31 julho de
2021. Isso significa um aumento de 21,97% em relação a taxa de desmatamento
apurada pelo PRODES 2020 (INPE).
Pensando bem, e olhando a
história, ainda antes do descobrimento do Brasil, fica claro que a Amazônia
sempre foi o alvo da cobiça de investidores, empresas e governos. E continua
sendo. Quando passou a febre da borracha com a construção da ferrovia
Madeira-Mamoré que foi um verdadeiro estupro da floresta, aconteceu a
Transamazônica já em tempos de Ditadura Militar no Brasil, anos 1960. A
Transamazônica foi o descalabro que teve início no litoral brasileiro do
Nordeste e enveredou para o oeste, sulcando e povoando a caatinga, o cerrado e
a Amazônia; acompanhando o médio e alto rio Tapajós e criando o desastre para a
floresta e os povos em direção às riquezas da Amazônia. “Integrar para não
Entregar”. Que lema seria esse? Cravado no chão dos nossos biomas, no cerne da
nossa biodiversidade, nas costas dos nossos indígenas, por homens de farda
imbuídos de alimentar a falsa utopia das benesses da exploração colonizadora
vinda de além-mar.
Levar riquezas e trazer
impactos civilizatórios construiu a falsa ideia de que expurgar a miséria,
abatendo árvores, seria a solução para o vazio demográfico. O “Integrar para
não Entregar”, na verdade acabou por dar continuidade à exploração das riquezas
da Amazônia. Sim, entregamos e entregamos, no passado e no presente. Mas não
parou com a Transamazônica. Continuou a fixação pela ocupação da gigantesca
massa verde, joia do planeta, produtora de água e de vida. E nos anos 1970, a
ideia era colonizar o norte do estado do Mato Grosso, aquela planura que podia
produzir grãos para o mundo e que hoje bate recordes, não sem antes abater a
floresta. O fim integracionista surgiu mais uma vez com o projeto da rodovia
Cuiabá – Santarém, a BR-163, que cortou a Amazônia ao meio. Levou uma ideia
civilizatória, agora, para o interior da floresta, para o interior de aldeias
indígenas que foram compulsoriamente removidas para outro canto, onde não
atrapalhariam a sanha integracionista da Ditadura Militar brasileira.
O efeito “espinha de
peixe”, indelével nas imagens de satélite é agora visível, também, para os
multimilionários-recém-desbravadores do espaço, uma curiosidade a ser comparada
com as crateras da lua. O que está cortando ao meio todo aquele verdor? A marca
cravada no solo da maior floresta tropical do mundo testemunhará um tempo
indescritível, no futuro, do domínio do homem sobre a Natureza. A BR-163 é,
agora, o fio condutor de outra aberração: a ferrovia EF-170 ou Ferrogrão que
vai aproveitar o caminho aberto pela rodovia, multiplicando os impactos que ela
já provocou, reduzindo unidades de conservação e terras indígenas já reféns do desmatamento,
do garimpo, da mineração que acompanharam o integracionismo cínico e a ocupação
predatória. Mas, o Brasil precisa escoar mais rápido os grãos do agronegócio
predatório. Como? Avançando sobre a floresta e terras indígenas.
Os 933 km da Ferrogrão
podem sair do papel a qualquer momento. O novo marco legal ferroviário foi
implantado pelo governo Bolsonaro como forma de agilizar o processo. Agora a
empresa, investidores escolhem como, quando e onde e apresentam o projeto da
ferrovia que será autorizada como concessão. Como já acontece com os portos e
aeroportos no Brasil: concessão, outorga por autorização para construir e operar
ferrovias, ramais, pátios e terminais ferroviários. A Medida Provisória nº
1.065/21, escancara a liberdade de empresas transportadoras, operadores
logísticos e indústrias de requisitar autorização ferroviária para construir e
operar. O estudo técnico conterá a escolha do traçado, a localização e
necessária obras complementares. A responsabilidade de fiscalizar e fazer
cumprir a legislação ambiental, nesse caso, pode sair das mãos do governo e
passar para a iniciativa privada.
Continua...