sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Ferrogrão Roadshow 2021 e a exploração histórica da Amazônia

Imagem: MinutoMT

Não faltam artigos meus sobre os danos sociais e ambientais que resultariam da construção da Ferrogrão. E continuo afirmando minha tese de que na verdade a ferrovia não servirá apenas ao agronegócio, mas ao escoamento, também, do resultado da exploração mineral que está descontrolada na bacia do Tapajós; e para facilitar empresas na extração do minério disponível na Provincia Mineral do Tapajós.

Por Telma Monteiro

Em outubro e novembro, o ministro da infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas e equipe foram de Nova Iorque a Dubai com a missão de ofertar para investidores e operadores internacionais projetos de infraestrutura no Brasil. O objetivo deste texto é mostrar como se deu a oferta da “cereja do bolo” da infraestrutura projetada pelo governo Bolsonaro: a Ferrogrão ou EF-170, com 933 km, ligará Sinop no MT ao porto de Miritituba, nas margens do rio Tapajós, no Pará. A partir dali a soja e o milho sairão em barcaças pela hidrovia que liga esse trecho do rio Tapajós ao rio Amazonas. Não me canso de repetir que a Ferrogrão poderá consolidar a divisão da Amazônia ao meio, afetando diretamente a bacia do Tapajós, rios, igarapés, floresta, unidades de conservação e os povos originários. A ferrovia não estará sozinha, pois o projeto, idealizado e aprovado, tem o traçado paralelo à já destrutiva rodovia Cuiabá-Santarém ou BR 163 que marcou a Amazônia e a bacia do Tapajós de forma irreversível.

Apenas 40 m separam a ferrovia da rodovia, sem que os estudos dos impactos sinérgicos e cumulativos tenham sido realizados; ou a imprescindível consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas. Apesar dos impactos já absorvidos e não mitigados pelos povos das terras indígenas na região, a BR 163 tornou-se o fio condutor de mais uma previsível cicatriz acrescentando um mosaico de interferências como ocupação irregular, desmatamento e avanço do garimpo. O pretexto do governo é descongestionar a rodovia BR 163, mitigar as emissões provocadas pelo tráfego de caminhões, sem, contudo, comparar com a extensão dos impactos que a ferrovia acrescentará.  Não faltam artigos meus sobre os danos sociais e ambientais que resultariam da construção da Ferrogrão. E continuo afirmando minha tese de que na verdade a ferrovia não servirá apenas ao agronegócio, mas ao escoamento, também, do resultado da exploração mineral que está descontrolada na bacia do Tapajós; e para facilitar empresas na extração do minério disponível na Provincia Mineral do Tapajós.

O Roadshow do ministro

"Melhoramos muito a qualidade dos nossos estudos e projetos em relação às mudanças climáticas", explicou @tarcisiogdf , em encontro com embaixadores dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), durante o roadshow em Paris, na França. (Ministério da Infraestrutura)

Enquanto se discute na justiça as irregularidades do projeto da Ferrogrão e seus impactos, em Nova Iorque, uma delegação brasileira[1] fez reuniões com investidores e operadores internacionais durante os dias 5,6 e7 de outubro e voltaram exitosos, com resultados concretos, segundo o próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. O Bank of America para a América Latina aprovou US$ 2 bilhões, o equivalente a R$ 11 bilhões, em créditos para investimentos em infraestrutura no Brasil, o projeto da Ferrogrão, a “cereja do bolo”, aí incluído. A informação é de Alexandre Bettamio do Bank of America, ao ministro, em reunião no dia 7.

Os investidores internacionais estavam representados pelo Compass Group, Artisan, Tarsadia, Bank of America, JP Morgan, Global Infrastructured Partners (GIP), Standard & Poors, Council of the Americas, XP, Goldman Sachs, Patria Investimentos[2] e Macquaire. O gestores do Patria Investimentos se manifestaram estar 100% convencidos do mérito do programa da Ferrogrão, na verdade, o maior projeto de concessão ferroviária do Ministério da Infraestrutura. Segundo o ministro, a Ferrogrão “nasce com selo verde e possibilidade de acessar o mercado de títulos verdes (green bonds), por ter sido elaborado com a Climate Bonds Initiative (CBI), organização internacional (Reino Unido) que faz a certificação de iniciativas sustentáveis.”

A CBI é uma busca do governo brasileiro para tingir de verde um projeto que nasceu com muitos problemas ambientais e sociais. Lembrando que o processo da Ferrogrão está sob o crivo do Tribunal de Contas da União (TCU) devido às denúncias de irregularidades apontadas pelo Ministério Público Federal (MPF) provocado por organizações sociais. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o processo, concedendo uma liminar até que se defina a legitimidade de dividir ao meio a principal unidade de conservação federal da bacia do Tapajós: o Parque Nacional do Jamanxim.

Mais ainda, segundo a Assessoria Especial de Comunicação Ministério da Infraestrutura, o Roadshow da Ferrogrão, principal projeto do conjunto de infraestrutura, marcou presenças importantes em Nova Iorque, como no dia 5 de novembro (2021), quando o ministro detalhou os projetos brasileiros para empresas como a Global Infrastructured Partners (GIP), Standard & Poors e integrantes do Council of the Americas. No caso da Council of the Americas contou com a participação de 12 representantes de fundos, bancos, escritórios de advocacia e duas agências de fomento de países asiáticos e com executivos da Global Infraestructure Partners (GIP).

Conforme o relato da equipe do ministro, foram apresentados, também, aos investidores do grupo Standard & Poors, os acordos de cooperação com a Climate Bond Inititative (CBI) e com a Agência de Cooperação Internacional Alemã (GIZ). Não faltou a menção às mudanças climáticas como forma de concepção do projeto da Ferrogrão.

Continuando o programa na Europa, em Paris, Milão, Madri, e depois em Abu Dhabi e Dubai (concluído em17 de novembro) dentro do painel “Oportunidades em Infraestrutura no Brasil” a equipe esteve com o grupo espanhol Sacyr, a holding italiana Atlantia e a operadora de terminais Aena.

Veja fala do Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em encontro com embaixadores dospaíses membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OCDE), durante o roadshow em Paris, na França.

Veja fala do Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em encontro com embaixadores dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), durante o roadshow em Paris, na FrançaDei nomes ao bois. Só nos resta incentivar uma frente de organizações internacionais para que essas empresas, investidores e bancos interessados na concessão da Ferrogrão tenham acesso aos estudos ambientais e aos depoimentos dos povos indígenas que demonstram a magnitude dos impactos sobre a Amazônia e seus povos. O ministério da Infraestrutura está mentindo deslavadamente aqui no Brasil e no exterior ao expor o projeto como “verde” e apresentar certificados equivocados para comprovar. Chegou a hora de denunciar uma verdadeira catástrofe em formação que trará sérios problemas à imagem das empresas que vão facilitar a expropriação e a destruição, que se propõem a dilapidar a maior floresta tropical do mundo.

 


[1] Com a participação brasileira do ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa, da secretária especial do Programa de Parcerias de Investimento do Ministério da Economia, Martha Sellier, e representantes da Apex-Brasil, do BNDES e do Ministério das Relações Exteriores

[2] O Patria Investimentos é acionista da Hidrovias do Brasil um dos principais interessados na Ferrogrão; Hidrovias do Brasil tem também como acionistas fundos de private equity administrados pelo Patria Investimentos, o BNDES e a International Finance Corporation do Banco Mundial.

 

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