Empresa italiana paga R$ 2,1 bi por ouro ilegal extraído em TI do PA
"O ouro extraído ilegalmente nos garimpos da Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, foi comprado pela Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais, sigla em italiano para Química Metalúrgica Toscana, companhia que teve receita de cerca de R$ 18 bilhões em 2020. A CHM, responsável por “legalizar” o metal amarelo por meio de fraude antes de enviar ao exterior, recebeu da Chimet, entre setembro de 2015 e setembro de 2020, 317 milhões de euros (R$ 2,1 bilhões) com a venda de cerca de uma tonelada do metal."
A PF investiga refinaria italiana Chimet que compra ouro de empresa ilegal da Amazônia brasileira. Documentos mostram que a empresa fornece ouro para gigantes da tecnologia do mundo: Amazon, Apple, Microsoft e Google. Fonte: Notícias de Mineração Brasil - Pf Aponta Refinaria Italiana Como Compradora De Ouro Ilegal Do Brasil (noticiasdemineracao.com)
O esquema foi descoberto em outubro do ano passado com a Operação Terra Desolada, quando foram expedidos 12 mandados de prisão e 62 de busca e apreensão, além do bloqueio de R$ 469 milhões das contas dos investigados. Na quinta-feira (10), três meses depois da operação, todos os detidos foram soltos por meio de habeas corpus.
A Chimet, grupo especializado em refinar ouro para a confecção de joias, como alianças de casamento, e para a formação de barras de ouro que são guardadas em cofres de bancos suíços, ingleses ou americanos, nasceu nos anos 1970 de um braço da Unoaerre, outra líder do setor na Itália e empresa quase centenária, que se apresenta como a responsável por produzir 70% das alianças de casamento vendidas no país. As duas são controladas atualmente pela mesma família, a Squarcialupi, e estão sediadas em Arezzo, cidade que tem tradição milenar na produção de joias.
Descrita no seu próprio site como uma empresa "amiga do meio ambiente" e detentora de certificados de sustentabilidade "por sua atuação responsável", a Chimet afirmou que sempre compra o metal acompanhado de documentos que atestem sua origem legal.
"As compras em questão sempre estiveram acompanhadas de documentação que atesta a proveniência lícita do metal, como demonstrado também das faturas e das autorizações para a exportação do fornecedor, além dos documentos da aduana, sejam brasileiros ou italianos", disse em nota. Entretanto, a empresa reconheceu "o risco de que efeitos negativos possam ser associados ao comércio e exportação de minerais de áreas de alto risco".
Fiscalização
O Brasil, nesse caso, é "a área de alto risco" devido à facilidade de se fraudar a origem do ouro, bem como à fragilidade da fiscalização por parte da Associação Nacional de Mineração (ANM) e demais órgãos. As notas fiscais que declaram a origem do minério são em papel, preenchidas pelo vendedor, que facilmente pode mentir sobre o local de onde foi extraído o metal.
"Infelizmente, o ouro ilegal é uma realidade no mercado europeu. As empresas têm essa dupla face, compram ouro de procedência ilegal para atingirem certos padrões internacionais de quantidade de produção", afirma Nunzio Ragno, presidente da A.N.T.I.C.O., sigla da associação italiana para a proteção do setor do ouro.
O inquérito da PF aponta ainda que a Chimet adquire o produto da brasileira CHM, em uma relação de parceria "estabelecida há décadas" por intermédio do italiano Mauro Dogi e seu filho Giacomo, que moram no Brasil. Ambos são os sócios da CHM e figuram como investigados pelo comércio ilegal de minério.
Eles são descritos pelos investigadores como "os principais destinatários do ouro ilegal oriundo das terras indígenas da região". Mauro Dogi já foi funcionário da Chimet na sua fábrica em Arezzo. "Observa-se que o próprio nome da empresa CHM é a simplificação de Chimet", diz o inquérito da PF, revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo.
A CHM, por sua vez, comprou o metal da Cooperouri (Cooperativa de Garimpeiros e Mineradores de Ourilândia e Região) que, segundo a PF, extrai o ouro do território indígena. Como prova, os policiais informam que a empresa fundada por Dogi fez 25 depósitos à cooperativa, no total de R$ 11,7 milhões, no período de um ano (entre 2019 e 2020).
Além de extrair o minério de área ilegal, segundo a PF, a Cooperouri também adquire o metal de garimpeiros e atravessadores clandestinos que atuam na mesma região - foram transferidos R$ 246 milhões a estes fornecedores entre setembro de 2015 e setembro de 2020.
A Chimet, por meio do advogado Roberto Alboni, afirmou que Mauro Dogi trabalhou como operário na sede italiana durante cinco anos, entre 1990 e 1995, dando a entender que não se trata de pessoa que mantenha relação com os altos escalões da empresa. A companhia ainda contestou a informação citada na investigação brasileira: disse que sua relação com a CHM do Brasil durou "de quatro a cinco anos", sendo interrompida em outubro passado após a notícia da operação realizada pela Polícia Federal (e não décadas, como afirma o inquérito).
Em nota, a CHM negou que tenha adquirido ouro de terras indígenas e disse que suas aquisições foram feitas "de cooperativas aptas a minerar em suas respectivas áreas, as quais sempre apresentaram a documentação legalmente exigida e necessária para exercer suas atividades." A empresa confirmou que o minério adquirido tem como destino grupos estrangeiros e afirmou que "todo o ouro comprado no mercado interno passa pelo crivo da Receita Federal e da Polícia Federal quando do processo de exportação". As atividades da empresa, segundo seus advogados, estão temporariamente suspensas.
A reportagem tentou contato com a diretoria da Cooperouri, mas o advogado responsável pela defesa da cooperativa e de um dos seus diretores, Douglas Alves de Morais, não respondeu às perguntas até a publicação deste texto.
Tanto a Chimet como a Unoaerre têm certificados de boas práticas de organizações como a Responsible Jewellery Council, com sede em Londres, que elaborou uma linha guia para o setor de modo a observar a legalidade do ouro e a preservação dos direitos humanos, inclusive durante a sua extração. Elas ainda estão sujeitas a um regulamento aprovado pelo Parlamento Europeu em 2017 que impõe a obrigatoriedade do controle das fontes dos metais preciosos originários de fora da União Europeia e comprados por alguma empresa sediada na Europa. As informações são do Repórter Brasil.