sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?


Ferrogrão: o que tem por trás dos estudos atualizados pelo Ministério dos Transportes e Infra S/A?

 Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania

 O que seria um projeto tecnicamente adequado, economicamente viável e ambientalmente equilibrado para o MT e a Infra S.A.? Certamente essa “metodologia” não está tratando disso na atualização dos estudos da Ferrogrão em que minimizam as chamadas subjetividades e maximizam os fatores só importantes para o projeto econômico.

 Introdução para atualizar nossa memória sobre o projeto Ferrogrão

O projeto da Ferrogrão envolve a construção de uma ferrovia com aproximadamente 933 km para ligar Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), para escoar, segundo a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), até 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas por ano. O traçado previsto no projeto é paralelo à BR-163 em que parte está dentro do Parque Nacional do Jamanxim, que é UC Federal. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou, atendendo uma ação do Ministério Público, sobre a falta de consulta aos povos indígenas.

O Supremo Tribunal Federal julgou, em maio de 2023, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553 do PSOL que questiona a constitucionalidade da MP de desafetação do Parque Nacional do Jamanxim assinada pela então presidente Dilma Roussef e, entre outras coisas, a falta de consulta aos povos indígenas. A Medida Provisória (MP) 758/2016 de Dilma excluiu (desafetação) cerca de 862 hectares lineares do parque, o que é inconstitucional. Essa desafetação foi a solução usada pelo governo de Dilma para que fosse possível viabilizar o traçado da EF-170, Ferrogrão

Em maio de 2023, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, julgou que o processo deveria ir para o Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal)[1], no STF, para se chegar a um acordo. Ele concedeu um prazo de seis meses para uma solução. O Cesal busca a mediação e conciliação de litígios de natureza variada; oferece serviços para promover acordos entre as partes envolvidas, evitando que os casos precisem ser decididos judicialmente; envolve métodos alternativos de resolução de disputas, como mediação e arbitragem.

A ação sobre a Ferrogrão no STF tramitou no Cesal e voltou ao ministro Alexandre de Moraes que determinou, então, a suspensão da tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6553 por seis meses, para que fossem concluídos os estudos e as atualizações sugeridas no procedimento de conciliação. Essa decisão foi tomada para permitir a conclusão dos diálogos e propostas acordados pelas partes interessadas.

 O Cesal, então, encaminhou várias sugestões[2] ao ministro Alexandre de Moraes que, teoricamente, deveriam tirar o projeto do juízo. Entre elas, destacam-se:

·       Compensações Ambientais: propostas para medidas de compensação ambiental devido à alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim;

·       Oitiva das Comunidades Indígenas: sugestão de realizar uma oitiva qualificada das comunidades indígenas afetadas pelo projeto.

·       Estudos Técnicos: continuar com os estudos e processos administrativos relacionados à EF-170, Ferrogrão, incluindo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Ministério da Infraestrutura e o Tribunal de Contas da União (TCU).

Essas “sugestões” foram um esforço no sentido de encontrar uma solução consensual para dar andamento ao processo da Ferrogrão, considerando os impactos ambientais e sociais decorrentes de sua construção. Mas, encontrar uma solução que viabilizasse a Ferrogrão é uma tarefa hercúlea ou impossível, dados os problemas já apontados pela sociedade civil, pelo MP, pelo Ibama que analisou o EIA e pelo TCU, ao longo de mais de uma década. 

O Cesal recomendou, nas sugestões encaminhadas ao ministro, a realização de uma “oitiva qualificada das comunidades indígenas” que, traduzido, se trata de um processo de consulta completo para cada povo indígena levando em consideração seu protocolo de consulta. Recomendação dispensável, já que essa consulta é obrigatória no licenciamento de obras que afetem terras indígenas e que deve ser livre, prévia e informada. É imprescindível regras claras para ouvir e considerar as opiniões, preocupações e sugestões dos povos indígenas.

·       Consulta Prévia: deve ocorrer antes da elaboração de qualquer projeto que possa vir a criar impactos para as comunidades indígenas, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatária.

·       Inclusão: essencial que líderes tradicionais e membros da comunidade estejam presentes para garantir o pleno conhecimento de como serão afetados;

·       Informação clara e acessível: as informações sobre o projeto, antes da tomada de decisão, devem ser apresentadas de forma clara e compreensível, traduzidas para a língua da comunidade, considerando suas culturas;

·       Ambiente: a consulta deve acontecer dentro das próprias comunidades indígenas onde toda a comunidade pode participar;

·       Documentação: todo o processo de oitiva deverá ser documentado para assegurar que as dúvidas e sugestões das comunidades indígenas sejam consideradas e incorporadas nas decisões finais.

Em outubro de 2023 o Ministério dos Transportes criou o Grupo de Trabalho (GT) Ferrogrão com o objetivo de discutir e acompanhar os processos e atualização dos estudos para dar continuidade ao projeto. O GT seria voltado para a questão socioambiental e econômica, para tentar obter um projeto aceitável para todas as partes interessadas, incluindo povos indígenas e as organizações da sociedade civil, MP e comunidades tradicionais. O grupo teria como objetivo construir um diálogo entre o governo, a sociedade civil e as comunidades afetadas pelo empreendimento.

 Em 18 de julho de 2024, o GT Ferrogrão do Ministério dos Transportes enviou as atualizações dos estudos para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Esses estudos finais abordaram, pretensamente, sem o aval da sociedade civil, tanto a concessão quanto as questões ambientais relacionadas ao projeto.

 O Grupo de Trabalho (GT) Ferrogrão do Ministério dos Transportes (MT) acabou, então, sendo encerrado em julho de 2024, quando os representantes dos indígenas e da sociedade civil descobriram que o MT a Infra S.A. enviaram para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a atualização já finalizada dos estudos da Ferrogrão sem a sua participação. Os indígenas e a sociedade civil emitiram uma nota sobre a sua retirada do GT e os desafios significativos da viabilidade social, ambiental e econômica do projeto, além das tensões que se intensificaram com a falta de consenso.

  Primeiras considerações sobre a versão atualizada (2024) dos estudos da Ferrogrão

A Infra S.A.[3] produziu uma Nota Técnica que analisa de forma sintética e evasiva a nova versão dos estudos da Ferrogrão conduzida pela EDLP[4].

Chama especial atenção a nova versão do Estudo de Viabilidade Técnica Econômica e Ambiental (EVTEA) que tenta justificar o injustificável: o mesmo traçado da EF-170, Ferrogrão (o EIA já havia sido recusado pelo Ibama[5]) e sua interferência no Parque Nacional do Jamanxim. Esse ponto recebeu atenção especial nos estudos da Infra S.A. e é exatamente o que deu origem à ADI 6553 do PSOL, sobre a interferência inconstitucional na UC federal. No documento produzido, em julho de 2024,  foi priorizada o que o estudo chama de “uma análise completa sobre as terras indígenas, unidades de conservação, áreas de preservação permanente áreas de preservação permanente, áreas de conflito fundiário, uso e ocupação do solo[6]”.

Para tentar o impossível - “consertar” o traçado inicial da Ferrogrão - os novos estudos incluíram o projeto na mesma área da faixa de domínio da BR-163, o que na verdade não muda em nada a situação apontada na ação de inconstitucionalidade do PSOL. A interferência da ferrovia na UC federal no mesmo traçado, passando também dentro do Parque Nacional do Jamanxim, se somaria aos  impactos ainda não absorvidos produzidos pela rodovia e que já estão lá há muito tempo. Não dá para diagnosticar a extensão de novos impactos considerando apenas que eles “teoricamente” aconteceram durante e depois da construção da rodovia BR-163. Não é possível incluir os impactos sinérgicos e cumulativos de um empreendimento novo, dessa envergadura, aos já assimilados por outro, anterior, cujo traçado curiosamente seria o mesmo.

O corredor espacial apontado nos novos estudos atualizados é um “blá blá blá” semântico do projeto de engenharia pois fala em “avaliações comparativas objetivas”, separando os estudos de corredor espacial da nova seleção de diretriz de traçado. E, ainda, remete a avaliações adicionais para manter as melhores condições geométricas, pasme, para obter menores custos de implantação e operação, priorizando a questão técnica e viabilidade econômica do projeto e, pior, considera como subjetividades as questões prioritárias dos impactos ambientais e sociais.[7] O que seria um projeto tecnicamente adequado, economicamente viável e ambientalmente equilibrado para o MT e a Infra S.A.? Certamente essa “metodologia” não está tratando disso na atualização dos estudos da Ferrogrão em que minimizam as chamadas subjetividades e maximizam os fatores só importantes para o projeto econômico.

Estranho é, também, a afirmação do fato de que os 49 km do traçado da Ferrogrão, dentro da UC, serão considerados parte da faixa de domínio da BR-163, como se essa simplificação tivesse o poder de evitar novos impactos ambientais ao Parque Nacional do Jamanxim[8]. Foram, ainda, introduzidas mais alterações na atualização do projeto da Ferrogrão como o levantamento dos passivos ambientais da BR -163, que claramente tem o objetivo de afastar a possibilidade de responsabilização da futura concessionária da ferrovia. Essa manobra, claramente, impede que sejam dimensionados os impactos sinérgicos e cumulativos dos dois empreendimentos. (Continua)

 


[1] O Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal), do Supremo Tribunal Federal (STF) foi criado pela Resolução 790/2022, assinada pela ministra Rosa Weber.

https://www.conjur.com.br/2023-set-17/leandro-cabral-luz-fim-tunel-litigio-judicial/?form=MG0AV3

[3] A INFRA S.A. é uma empresa pública federal do Brasil, vinculada ao Ministério dos Transportes. Foi criada em 2022 pela fusão da VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. e da Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL)1. A INFRA S.A. tem como foco principal a prestação de serviços de planejamento, estruturação de projetos, engenharia e inovação para o setor de transportes

[4] Nota Técnica Conjunta nº 2/2024/SUFER-INFRASA/DIPLAN-INFRASA/DIREX-INFRASA/CONSAD- INFRASA/AG-INFRASA

[5] O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) não aceitou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto Ferrogrão em novembro de 2020. A decisão foi baseada na falta de consideração adequada dos impactos socioambientais e na ausência de um processo de consulta prévia, livre e informada com as comunidades indígenas e outras partes interessadas. https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/estudo-revela-riscos-socioambientais-nao-dimensionados-da-ferrograo?form=MG0AV3

[6] Item 27 da Nota Técnica

[7] Ítem 28 da Nota Técnica

[8] Ítem 30 da Nota Técnica


segunda-feira, 25 de novembro de 2024

A “colonização dourada” idealizada pela China




A “colonização dourada” idealizada pela China

 

Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania

 

Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint ventures, assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.

 

Mais de 100 países já aderiram à Nova Rota da Seda ou Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI)[1]. Dos 100 países, 22 são da América Latina. Durante a visita de Lula à China, em abril de 2023, já haviam sido assinados vários acordos para reforçar a cooperação econômica entre os dois países. A China tem pressionado o Brasil para que se junte formalmente à BRI o que, segundo ela, poderia gerar investimentos significativos em infraestrutura, como portos, ferrovias e rodovias, além de projetos de energia “verde “e saúde.

Durante o encontro entre Lula e Xi Jinping, neste novembro de 2024, em Brasília, foram assinados 37 acordos de “cooperação” abrangendo diversas áreas estratégicas, sem, no entanto, formalizar a entrada do Brasil no projeto chinês da Rota da Seda. Entre os acordos assinados estão (1) agronegócio: que prevê a abertura do mercado para alguns produtos brasileiros como sorgo, gergelim e uva fresca; (2) tecnologia: de inteligência artificial e economia digital; (3) infraestrutura: projetos de infraestrutura e transição energética (?); (4) energia: opção por energia nuclear para uma transição energética de matriz limpa (?); (5) saúde e educação: intercâmbio e cooperação (?); (6) turismo e cultura: promoção de intercâmbio (?). As interrogações no texto acima se referem às propostas de cooperação que mais parecem uma forma de sossegar o mercado e o governo dividido, sobre entrar ou não no projeto de “colonização dourada” que a China propõe e dissimula as verdadeiras intenções nas entrelinhas do acordo. A verdade é que esses itens podem representar uma preparação do ambiente político/ econômico sobre uma possível adesão formal do Brasil à Rota da Seda. O gato subiu no telhado? Biden criticou a possível adesão, se sentindo traído, mas Trump vem aí e não dá a mínima para o Brasil.

Os especialistas enfatizam que esses acordos já firmados reforçam a parceria estratégica entre Brasil e China, promovendo o desenvolvimento econômico e a inovação tecnológica em ambos os países. Mas qual seria a real necessidade do Brasil em promover acordos de renovação ou inovação tecnológica com a China? Muitos responderão que afinal a China é o maior parceiro comercial do Brasil e que uma cooperação em tecnologia fortaleceria esse laço. Será? Afirmar que a China avançou em tecnologia nuclear enquadrada como “renovável” é no mínimo um dissenso, principalmente se considerarmos os fantasmas de Angra.

Houve ainda quem mencionasse que esses acordos ajudariam o Brasil a diversificar suas atuais fontes de tecnologias com origem em outros países e reduziriam sua dependência. Me parece mais uma troca de “dependências”, só que no caso da China seria muito mais abrangente e sem retorno. A China não transfere tecnologia em troca de nada. Geralmente Xi Jinping condiciona a investimentos disfarçados em parcerias comerciais. Empresas brasileiras teriam que participar de joint venture, assimilar e depender da transferência de tecnologia como parte do acordo.

Dentro da Rota da Seda, os países que aderiram já começam a questionar essas negociações e temer a vantagem competitiva da China. Os principais impasses poderiam estar na colaboração tecnológica que pode levar a inovações para beneficiar setores estratégicos como agricultura, saúde e manufatura.

Se o Brasil vier a aderir à Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), é preciso questionar muitos fatores que criam um risco potencial à sua soberania: (1) a expansão econômica facilitaria e favoreceria principalmente a China a ampliar o acesso aos mercados de exportação com países da Ásia, Europa, África e América Latina, usando o Brasil como hub e trampolim.  A China precisa alicerçar seu crescimento econômico a qualquer custo; (2) ampliação da infraestrutura global em que a China aplica sua expertise na infraestrutura calcada em ferrovias, portos, estradas e telecomunicações. Um objetivo bastante estratégico da China para melhorar a conectividade global e, mais uma vez, promover o que eu reputo ser a principal ambição, pois fortaleceria sua influência econômica e política. É preciso mencionar, ainda, os custos ambientais e sociais para países como o Brasil que têm riquezas minerais e terras para serem exploradas em regiões e biomas importantes para manter o equilíbrio do clima do planeta; (3) segurança energética para a China seria uma estratégia muito forte, considerando o fato dela poder contar com uma grande diversidade de fontes de energia no Brasil para garantir sua hegemonia aliada à segurança para operar rotas de transporte para a logística de distribuição; (4) exploração da cooperação focada em alta tecnologia, diretamente ligada à 5G, inteligência artificial, cidades inteligentes, transformariam a China em líder tecnológica, mesmo usando, inclusive, avanços de outros parceiros já adiantados e criando dependência tecnológica; (5) o aumento da influência geopolítica a partir dos investimentos em outros países em desenvolvimento, minando sua soberania, criaria a possibilidade de consolidar a China como potência global; (6) dívidas – deve-se levar em conta os recursos financeiros a serem investidos pela China, no Brasil. Quanto seria, na verdade, empréstimo para viabilizar a infraestrutura e energia do Brasil para o escoamento de commodities extraídas dos biomas brasileiros que mais beneficiariam a China?

Então, nesse panorama de neocolonialismo, o Brasil poderia ser protagonista com maiores vantagens? A resposta é não. Pois, apesar de uma possibilidade de modernização na infraestrutura, busca quase que fanática do presidente Lula – ferrovias, aeroportos, portos, rotas de integração incluindo hidrovias – haveria um grande risco de, ao modernizar alguns setores estratégicos como energia, telecomunicações ou manufatura, de perder sua autonomia. Os investimentos ou empréstimos chineses atrairiam novos mercados para os produtos brasileiros ou aumentariam as exportações de commodities para e pelos chineses? Outra questão seria se, com a participação do Brasil na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), resultaria realmente em acesso a novos mercados. 

Do ponto de vista tecnológico, a parceria seria capaz de transferir tecnologia e inovação, para beneficiar a agricultura, indústria e serviços? É uma incógnita e talvez as considerações do governo americano sobre essa parceria de Brasil e China e a perda da soberania brasileira, possam acrescentar algumas respostas. No entanto, há correntes dentro do governo brasileiro que consideram essa parceria uma forma de fortalecimento das relações bilaterais tanto diplomáticas como comerciais entre os dois países. Uma coisa fica bastante clara: o “trilhardário” caminhão de dinheiro chinês para bancar a iniciativa[2] atrai o governo brasileiro.

  


[1] Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative - BRI)

[2]  Nova Rota da Seda: o que Brasil ganha ou perde se aderir a plano trilionário chinês    https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/04/12/nova-rota-da-seda.ghtml


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China

O “desenvolvimento sustentável” no acordo de energia nuclear entre Brasil e China


Imagem: Portal Lubes
Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania

 O presidente Lula e Xi Jinping assinaram um acordo (20/11) no qual um dos itens propõe a construção de novas usinas nucleares com tecnologia considerada, no documento, avançada e segura, além de ser um marco importante na cooperação entre Brasil e China. O acordo promete fortalecer a capacidade produtiva e a segurança energética dos dois países, promovendo o desenvolvimento de tecnologias nucleares de ponta.

Não esqueçamos que Angra 3 já está caindo de velha, antes mesmo de ser terminada. A construção da usina, localizada no estado do Rio de Janeiro, entrou na sua fase final com a montagem dos componentes principais e instalação do reator nuclear. Angra 3 está em obras desde 30 de maio de 2010 e enfrentou vários atrasos ao longo dos anos.

As interrupções aconteceram em 2015 devido a uma revisão do financiamento e investigações relacionadas à Operação Lava Jato, mas as obras foram retomadas em 2022. Questões contratuais e a necessidade de novos investimentos contribuíram para outros atrasos. A estimativa atual é que a usina venha a operar no final de 2028 ou até 2030. O custo inicial de Angra 3 era de R$ 10 bilhões, mas hoje está em torno de R$ 20,3 bilhões.

No meio desse imbróglio com a construção de uma sucata que tem custado o dobro do previsto, e nem vou entrar nesse mérito, o governo brasileiro assina esse acordo com a China, para a construção de novas usinas nucleares no Brasil. A promessa é de utilizar tecnologia avançada e “segura” fornecida pela China.

Ao retornar no tempo, com a intenção de construir novas plantas de usinas nucleares, o governo brasileiro ignora os riscos inerentes. Entre os pontos acordados está a capacitação e treinamento de brasileiros para assimilar esse conhecimento “atualizado” atribuído aos chineses.

Mesmo com uma aversão da sociedade à tecnologia de usinas nucleares, o acordo tenta dourar a pílula com a proposta de implementar novas medidas que incluem “sustentabilidade ambiental” e segurança. No bojo do texto entre China e Brasil foram jogadas pílulas de impropriedades como o de obter incremento na capacidade de gerar mais energia no Brasil, além de mencionar uma diversificação na matriz energética.

Mas a cereja do bolo ficou, mesmo, com o que chamaram de potencial para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, adotando a energia nuclear com o carimbo de “fonte de energia limpa”. Mas essa parceria sai com chavões desenvolvimentistas que conhecemos bem, o de impulsionar o desenvolvimento econômico com inovação tecnológica e desenvolvimento sustentável entre os dois países.

O Brasil tem que considerar alguns desafios na implementação desse acordo, como a segurança e o descarte dos resíduos perigosos. A construção e manutenção de usinas nucleares requerem orçamentos altos e uma complexidade tecnológica. Considerando a matriz energética brasileira, com o crescimento de geração pelas renováveis como a eólica e solar, e as deploráveis hidrelétricas (gerando energia suja), construídas às custas da biodiversidade, não haveria a necessidade da retomada da energia nuclear.

No entanto esse acordo entre Brasil e China, para construção de novas plantas nucleares, tenta dar um tom de tecnologia moderna e avanço científico para o país. Aceitar esse retrocesso é voltar ao passado com mais preocupações com questões ambientais e de segurança.

A decisão de expandir o uso de energia nuclear envolveria ponderar esses fatores e considerar as necessidades energéticas futuras do Brasil, bem como as preocupações ambientais e de segurança futura dos descartes dos resíduos.


Ferrogrão na Amazônia: estudos atualizados pela EDLP, Ministério dos Transportes e Infra S.A.

Imagem: Outras Palavras Ferrogrão na Amazônia: estudos atualizados pela EDLP, Ministério dos Transportes e Infra S.A.   Telma Monteiro, ...