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Ferrogrão na Amazônia: estudos atualizados pela EDLP, Ministério dos Transportes e Infra S.A.
Telma Monteiro, para o
Correio da Cidadania
Como
surgiu a ideia de fazer a Ferrogrão, uma estrada de ferro
devastadora para a Amazônia e seus povos, que foi totalmente pensada pelo agro,
pelas tradings do agronegócio e pela EDLP de Guilherme Quintella, com o aval de
Dilma Rousseff.
Quem é a EDLP? A Estação
da Luz Participações (EDLP) é uma empresa brasileira especializada na concepção
e desenvolvimento de projetos de infraestrutura e logística. Fundada há mais de
20 anos, a EDLP trabalha em soluções para transportes de passageiros e cargas, e
seu foco principal está nas ferrovias. A Estação da Luz Participações (EDLP) é
estruturadora de negócios e projetos de infraestrutura e logística e há 20 anos
desenvolve soluções em transportes de passageiros e cargas no Brasil.
A EDLP tem como
presidente e fundador, Guilherme Quintella, considerado pelo governo um dos
maiores especialistas em ferrovias do Brasil, com mais de 30 anos de
experiência no setor. A empresa tem um sólido relacionamento com os principais
players de infraestrutura e as tradings e empresas do agronegócio do país - Amaggi,
Louis Dreyfus, Cargill, Bunge e ADM - e é conhecida por seu know-how em
transportes.
Em 2012 a Ferrogrão
começou a ser debatida pelos produtores e tradings do agronegócio brasileiro,
chamando a atenção de Quintella. Seu interesse o levou a procurar e convencer a
presidente Dilma Rousseff da importância do projeto para o agro e a sua
expansão no MT.
A partir daí a EDLP tinha
que provar a Dilma Rousseff a viabilidade do negócio. Foi Quintella quem
formatou o traçado paralelo da ferrovia ao enviar dois engenheiros para
percorrer de carro a BR-163, de Sinop a Miritituba. Eles analisaram todo o
percurso, realizado em um mês, para ver a possibilidade do projeto que,
descobriram, seria praticamente todo plano (de 400m acima do nível do mar para
70m). Depois de provada a viabilidade do empreendimento, Dilma Rousseff
formatou a MP para desafetação do Parque Nacional do Jamanxim. Dilma sofreu o
impeachment no seu segundo mandato e o projeto da Ferrogrão acabou nas mãos de
Michel Temer.
Os estudos da Ferrogrão
atualizados pela EDLP
A EDLP trabalhou em parceria
com o Ministério dos Transportes e a ANTT para atualizar os estudos da
ferrovia, em 2024, e discutir os impactos socioambientais e econômicos.
O Ministério dos
Transportes (MT) e a Infra S.A. introduziram o que eles chamaram de
aprimoramentos das versões anteriores dos estudos do projeto Ferrogrão
(EF-170), em que apontam atualizações tarifárias e projeções de produção, como
pontos importantes para viabilizar a ferrovia. Os prognósticos apresentados
pela EDLP, de incremento da carga de 53,4 milhões para 66,2 milhões de
toneladas são um atrativo para viabilizar o empreendimento. No entanto, esses
números não demonstram claramente qual foi a modelagem que incluiu questões
como demanda, produtividade diante das mudanças climáticas, capacidade de
absorção dos portos do Arco Norte e estresse do Canal do Panamá. O canal está
com problemas de excesso de fluxo de navios e preços altos cobrados para a
travessia das comportas para acessar o oceano Pacífico.
Nos custos da Ferrogrão,
por exemplo, foi considerada a redução de 30% no frete de retorno porque
viabilizaria o transporte de produtos, no sentido inverso, com destino aos municípios de Mato Grosso. A
prioridade que se dá à construção da Ferrogrão sucumbe ao se considerar sua
importância para o frete de retorno sem um estudo específico e detalhado. Outro ponto nebuloso é a falta de cálculos
com metodologia específica das regiões afetadas e que levaram à conclusão de que
a ferrovia desafogaria a BR-163 e reduziria o tráfego para os portos de Santos
e Manaus. Mas essa conta teria que ser demonstrada, já que a Ferronorte é a
empresa que integra a Malha Paulista, operada pela Rumo e que acessa os portos
de Santos e Paranaguá.
Fica
aqui a questão: a Ferronorte poderia se conectar com a Ferrogrão? A Ferrogrão,
liga Sinop (MT) ao distrito de Miritituba (PA), nas margens do Rio Tapajós. A
Ferronorte vai de Santa Fé do Sul (SP) a Rondonópolis (MT) e poderia ser
estendida até Cuiabá (MT), eventualmente, até Porto Velho (RO) e Santarém (PA).
É necessário mencionar,
um ponto defendido na já mencionada Nota Técnica da Infra S.A, que apontou um
aumento da eficiência logística que traria a Ferrogrão, ao evitar um
desperdício anual de R$ 7,9 bilhões. O
EVTEA prevê desmobilizar o modal rodoviário a partir da entrada prevista de
operação da Ferrogrão, em 2035, e uma projeção de transportar 69,7 milhões de
toneladas anuais em 2090[1]. Há um certo otimismo nas
projeções de aumento da produção por parte da Estação da Luz Participações Ltda
(EDLP), ao se levar em consideração as questões climáticas que devem
influenciar a produtividade do agronegócio.
Além de criar o projeto, a
EDLP de Guilherme Quintella se envolveu na concepção e desenvolvimento da
ferrovia. Nos estudos atualizados são considerados os efeitos da competição com
outros empreendimentos logísticos que surgiram nos últimos anos. A Malha
Paulista, já mencionada acima, é uma das competidoras: operada pela Rumo
Logística, a ferrovia corta o estado de São Paulo e se conecta ao Porto de
Santos, um dos principais portos do país. Pensando simplesmente na rota
marítima mais relevante para chegar na China (pelo sul da África) vale mais a
pena descer. Só que há outros custos e tempo envolvidos quando se fala em
Santos[2]. Uma possível conexão da
Ferronorte com a Ferrogrão poderia criar um corredor logístico estratégico, para
o transporte de grãos do Mato Grosso até os portos do Arco Norte, como
Miritituba.
Nessa nova versão dos estudos, finalmente, não foi deixada de lado a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña na escolha do traçado da Ferrogrão. Mas, faltou aprofundar as consequências que poderiam vir a causar na região de escolha do traçado. Chama a atenção, também, a recorrência de um intervalo de três a cinco anos (objeto de estudo científico (IPAM, 2023) na alteração dos ventos alísios e consequentes impactos na temperatura dos oceanos. Os fenômenos climáticos El Niño e La Niña ocorrem de forma cíclica, mas com uma frequência variável. Em média, eles aconteceriam a cada cinco a sete anos. No entanto, essa recorrência tem variado bastante, e os eventos podem durar de nove a 12 meses. Esses fenômenos têm um impacto significativo no clima global, altera padrões de temperatura e precipitação em várias partes do mundo.
O novo estudo da
Ferrogrão confirma que existem riscos na escolha do traçado em relação ao
clima. (p.113). Esse risco pode se reverter em grandes prejuízos para uma
ferrovia como a Ferrogrão, se considerarmos que os efeitos da mudança do clima
atingirão a produtividade da região do MT responsável pela maior parcela da
produção das commodities agrícolas com destino ao Arco Norte. Essa é a região
que está na mira das mudanças climáticas já apontadas em estudos científicos[3] com consequências como
desertificação, o que inviabilizará a agricultura nessa região central da
América do Sul. Coincide com a localização dos maiores produtores de
commodities agrícolas do Brasil.
Guia ACB[4]
Esse deve ser um capítulo
à parte desta análise. O Guia de Análise Custo-Benefício (ACB) é uma ferramenta
para a avaliação de projetos de infraestrutura. Ele tem a intenção ou pretensão
de fornecer diretrizes detalhadas para a análise de custos e benefícios
associados. Seria um complemento do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e
Ambiental (EVTEA) em que apresenta os custos e benefícios do projeto exclusivamente
sob a ótica da análise econômica, podendo incluir externalidades, positivas e
negativas, ao longo da vida do projeto.
O Guia ACB foi publicado
pela primeira vez em outubro de 2021, pelo Ministério da Economia do Brasil,
sob a direção de Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro. A versão atualizada
foi lançada em março de 2022, com a participação de várias equipes técnicas e
consultas públicas para aprimorar o documento. Para os que não lembram, o
governo Bolsonaro foi um desastre para o meio ambiente e provocou um desmanche
nos órgãos licenciadores, como o IBAMA.
Causa absoluto mal-estar
saber que o novo EVTEA da Ferrogrão, produzido pelo Ministério dos Transportes
e Infra S.A., entregue à ANTT, foi pautado pelo Guia ACB (2022), idealizado no
governo Bolsonaro.
Para finalizar é preciso
ressaltar que, dentre os principais pontos de contribuição do Guia, destaca-se:
i) as estimativas de custos e benefícios econômicos; ii) estimativas de externalidades
positivas e negativas relacionadas ao projeto; iii) proposta de indicadores de viabilidade
do projeto, sob a presença de externalidades; e iv) a análise distributiva, que
decompõem os custos e benefícios econômicos entre os agentes envolvidos. Vale
destacar que o Guia ACB (2022) propõe em seu apêndice III, um conjunto de
parâmetros monetários para o cálculo de custos, benefícios e externalidades
econômicas relacionadas a projetos de infraestrutura.
“Dessa
maneira, a seleção de projetos fundamentada na avaliação de viabilidade
socioeconômica garante que a escolha dos investimentos em infraestrutura seja
feita com base na maximização do retorno para a sociedade. (Guia ACB 2022)”
Continua...
[1]
EVTEA Caderno Socioambiental página 11
[2]
Possibilidade mencionada por Pedro Bara, engenheiro e pesquisador brasileiro
com uma trajetória marcada por seu trabalho em infraestrutura e energia,
especialmente na Amazônia. Ele é mestre em Engenharia pela Universidade de
Stanford.
[3] Uma grande seca assola a América do
Sul, e a tendência é de se tornar mais grave. Um
estudo
científico do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, da
Alemanha,
escrito
pelos professores Maximilian Kotz, Anders Levermann & Leonie Wenz e
publicado
pela Revista Nature – (O impacto econômico da mudança climática, em
tradução
livre)14, em 17 de abril de 2024, faz projeções dos prejuízos
macroeconômicos
das alterações climáticas que devem comprometer a
economia
mundial em 19% (queda permanente da renda média em todas as
regiões
do planeta, equivalente a uma perda global de 38 trilhões de dólares
anuais
até 2049) independente das futuras escolhas de emissões. https://www.nature.com/articles/s41586-024-07219-0