segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Ferrogrão na Amazônia: estudos atualizados pela EDLP, Ministério dos Transportes e Infra S.A.


Imagem: Outras Palavras

Ferrogrão na Amazônia: estudos atualizados pela EDLP, Ministério dos Transportes e Infra S.A.

 

Telma Monteiro, para o Correio da Cidadania

 

Como surgiu a ideia de fazer a Ferrogrão, uma estrada de ferro devastadora para a Amazônia e seus povos, que foi totalmente pensada pelo agro, pelas tradings do agronegócio e pela EDLP de Guilherme Quintella, com o aval de Dilma Rousseff.

 

Quem é a EDLP? A Estação da Luz Participações (EDLP) é uma empresa brasileira especializada na concepção e desenvolvimento de projetos de infraestrutura e logística. Fundada há mais de 20 anos, a EDLP trabalha em soluções para transportes de passageiros e cargas, e seu foco principal está nas ferrovias. A Estação da Luz Participações (EDLP) é estruturadora de negócios e projetos de infraestrutura e logística e há 20 anos desenvolve soluções em transportes de passageiros e cargas no Brasil.

A EDLP tem como presidente e fundador, Guilherme Quintella, considerado pelo governo um dos maiores especialistas em ferrovias do Brasil, com mais de 30 anos de experiência no setor. A empresa tem um sólido relacionamento com os principais players de infraestrutura e as tradings e empresas do agronegócio do país - Amaggi, Louis Dreyfus, Cargill, Bunge e ADM - e é conhecida por seu know-how em transportes.

Em 2012 a Ferrogrão começou a ser debatida pelos produtores e tradings do agronegócio brasileiro, chamando a atenção de Quintella. Seu interesse o levou a procurar e convencer a presidente Dilma Rousseff da importância do projeto para o agro e a sua expansão no MT.

A partir daí a EDLP tinha que provar a Dilma Rousseff a viabilidade do negócio. Foi Quintella quem formatou o traçado paralelo da ferrovia ao enviar dois engenheiros para percorrer de carro a BR-163, de Sinop a Miritituba. Eles analisaram todo o percurso, realizado em um mês, para ver a possibilidade do projeto que, descobriram, seria praticamente todo plano (de 400m acima do nível do mar para 70m). Depois de provada a viabilidade do empreendimento, Dilma Rousseff formatou a MP para desafetação do Parque Nacional do Jamanxim. Dilma sofreu o impeachment no seu segundo mandato e o projeto da Ferrogrão acabou nas mãos de Michel Temer.

Os estudos da Ferrogrão atualizados pela EDLP

A EDLP trabalhou em parceria com o Ministério dos Transportes e a ANTT para atualizar os estudos da ferrovia, em 2024, e discutir os impactos socioambientais e econômicos.

O Ministério dos Transportes (MT) e a Infra S.A. introduziram o que eles chamaram de aprimoramentos das versões anteriores dos estudos do projeto Ferrogrão (EF-170), em que apontam atualizações tarifárias e projeções de produção, como pontos importantes para viabilizar a ferrovia. Os prognósticos apresentados pela EDLP, de incremento da carga de 53,4 milhões para 66,2 milhões de toneladas são um atrativo para viabilizar o empreendimento. No entanto, esses números não demonstram claramente qual foi a modelagem que incluiu questões como demanda, produtividade diante das mudanças climáticas, capacidade de absorção dos portos do Arco Norte e estresse do Canal do Panamá. O canal está com problemas de excesso de fluxo de navios e preços altos cobrados para a travessia das comportas para acessar o oceano Pacífico.

Nos custos da Ferrogrão, por exemplo, foi considerada a redução de 30% no frete de retorno porque viabilizaria o transporte de produtos, no sentido inverso,  com destino aos municípios de Mato Grosso. A prioridade que se dá à construção da Ferrogrão sucumbe ao se considerar sua importância para o frete de retorno sem um estudo específico e detalhado.  Outro ponto nebuloso é a falta de cálculos com metodologia específica das regiões afetadas e que levaram à conclusão de que a ferrovia desafogaria a BR-163 e reduziria o tráfego para os portos de Santos e Manaus. Mas essa conta teria que ser demonstrada, já que a Ferronorte é a empresa que integra a Malha Paulista, operada pela Rumo e que acessa os portos de Santos e Paranaguá.

Fica aqui a questão: a Ferronorte poderia se conectar com a Ferrogrão? A Ferrogrão, liga Sinop (MT) ao distrito de Miritituba (PA), nas margens do Rio Tapajós. A Ferronorte vai de Santa Fé do Sul (SP) a Rondonópolis (MT) e poderia ser estendida até Cuiabá (MT), eventualmente, até Porto Velho (RO) e Santarém (PA).

É necessário mencionar, um ponto defendido na já mencionada Nota Técnica da Infra S.A, que apontou um aumento da eficiência logística que traria a Ferrogrão, ao evitar um desperdício anual de R$ 7,9 bilhões.  O EVTEA prevê desmobilizar o modal rodoviário a partir da entrada prevista de operação da Ferrogrão, em 2035, e uma projeção de transportar 69,7 milhões de toneladas anuais em 2090[1]. Há um certo otimismo nas projeções de aumento da produção por parte da Estação da Luz Participações Ltda (EDLP), ao se levar em consideração as questões climáticas que devem influenciar a produtividade do agronegócio.

Além de criar o projeto, a EDLP de Guilherme Quintella se envolveu na concepção e desenvolvimento da ferrovia. Nos estudos atualizados são considerados os efeitos da competição com outros empreendimentos logísticos que surgiram nos últimos anos. A Malha Paulista, já mencionada acima, é uma das competidoras: operada pela Rumo Logística, a ferrovia corta o estado de São Paulo e se conecta ao Porto de Santos, um dos principais portos do país. Pensando simplesmente na rota marítima mais relevante para chegar na China (pelo sul da África) vale mais a pena descer. Só que há outros custos e tempo envolvidos quando se fala em Santos[2]. Uma possível conexão da Ferronorte com a Ferrogrão poderia criar um corredor logístico estratégico, para o transporte de grãos do Mato Grosso até os portos do Arco Norte, como Miritituba.

Nessa nova versão dos estudos, finalmente, não foi deixada de lado a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña na escolha do traçado da Ferrogrão. Mas, faltou aprofundar as consequências que poderiam vir a causar na região de escolha do traçado. Chama a atenção, também,  a recorrência de um intervalo de três a cinco anos (objeto de estudo científico (IPAM, 2023) na alteração dos ventos alísios e consequentes impactos na temperatura dos oceanos. Os fenômenos climáticos El Niño e La Niña ocorrem de forma cíclica, mas com uma frequência variável. Em média, eles aconteceriam a cada cinco a sete anos. No entanto, essa recorrência tem variado bastante, e os eventos podem durar de nove a 12 meses. Esses fenômenos têm um impacto significativo no clima global, altera padrões de temperatura e precipitação em várias partes do mundo.

O novo estudo da Ferrogrão confirma que existem riscos na escolha do traçado em relação ao clima. (p.113). Esse risco pode se reverter em grandes prejuízos para uma ferrovia como a Ferrogrão, se considerarmos que os efeitos da mudança do clima atingirão a produtividade da região do MT responsável pela maior parcela da produção das commodities agrícolas com destino ao Arco Norte. Essa é a região que está na mira das mudanças climáticas já apontadas em estudos científicos[3] com consequências como desertificação, o que inviabilizará a agricultura nessa região central da América do Sul. Coincide com a localização dos maiores produtores de commodities agrícolas do Brasil.

Guia ACB[4]

Esse deve ser um capítulo à parte desta análise. O Guia de Análise Custo-Benefício (ACB) é uma ferramenta para a avaliação de projetos de infraestrutura. Ele tem a intenção ou pretensão de fornecer diretrizes detalhadas para a análise de custos e benefícios associados. Seria um complemento do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) em que apresenta os custos e benefícios do projeto exclusivamente sob a ótica da análise econômica, podendo incluir externalidades, positivas e negativas, ao longo da vida do projeto.

O Guia ACB foi publicado pela primeira vez em outubro de 2021, pelo Ministério da Economia do Brasil, sob a direção de Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro. A versão atualizada foi lançada em março de 2022, com a participação de várias equipes técnicas e consultas públicas para aprimorar o documento. Para os que não lembram, o governo Bolsonaro foi um desastre para o meio ambiente e provocou um desmanche nos órgãos licenciadores, como o IBAMA.

Causa absoluto mal-estar saber que o novo EVTEA da Ferrogrão, produzido pelo Ministério dos Transportes e Infra S.A., entregue à ANTT, foi pautado pelo Guia ACB (2022), idealizado no governo Bolsonaro.  

Para finalizar é preciso ressaltar que, dentre os principais pontos de contribuição do Guia, destaca-se: i) as estimativas de custos e benefícios econômicos; ii) estimativas de externalidades positivas e negativas relacionadas ao projeto; iii) proposta de indicadores de viabilidade do projeto, sob a presença de externalidades; e iv) a análise distributiva, que decompõem os custos e benefícios econômicos entre os agentes envolvidos. Vale destacar que o Guia ACB (2022) propõe em seu apêndice III, um conjunto de parâmetros monetários para o cálculo de custos, benefícios e externalidades econômicas relacionadas a projetos de infraestrutura.

“Dessa maneira, a seleção de projetos fundamentada na avaliação de viabilidade socioeconômica garante que a escolha dos investimentos em infraestrutura seja feita com base na maximização do retorno para a sociedade. (Guia ACB 2022)”

Continua...



[1] EVTEA Caderno Socioambiental página 11

[2] Possibilidade mencionada por Pedro Bara, engenheiro e pesquisador brasileiro com uma trajetória marcada por seu trabalho em infraestrutura e energia, especialmente na Amazônia. Ele é mestre em Engenharia pela Universidade de Stanford.

[3] Uma grande seca assola a América do Sul, e a tendência é de se tornar mais grave. Um

estudo científico do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, da Alemanha,

escrito pelos professores Maximilian Kotz, Anders Levermann & Leonie Wenz e

publicado pela Revista Nature – (O impacto econômico da mudança climática, em

tradução livre)14, em 17 de abril de 2024, faz projeções dos prejuízos

macroeconômicos das alterações climáticas que devem comprometer a

economia mundial em 19% (queda permanente da renda média em todas as

regiões do planeta, equivalente a uma perda global de 38 trilhões de dólares

anuais até 2049) independente das futuras escolhas de emissões. https://www.nature.com/articles/s41586-024-07219-0


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